São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 1994
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Ford busca seu mito em 'Cameo Kirby'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Cameo Kirby
Produção: EUA, 1923
Direção: John Ford
Elenco: John Gilbert, Jean Arthur
Onde: hoje, às 20h30 na Sala Cinemateca (r. Fradique Coutinho, 361, tel. 011/881-6542, Pinheiros, zona oeste)

"Cameo Kirby" não é exatamente um primeiro filme. John Ford já tinha mais de três dúzias de direções nas costas, quando o realizou. Mas não é absurdo colocá-lo no ciclo "Primeiros Filmes". Foi, em todo caso, o primeiro que assinou com esse nome (antes usava o prenome Jack).
No mais, John não se envergonharia dele. Embora de envergadura menor que o "Cavalo de Aço" que faria a seguir (em 1924), "Cameo Kirby" é a oportunidade de ver, em estado larvar, o grande Ford das décadas seguintes.
Lá está, para começar, a "nobreza" de Nova Orleans, uma gente que confunde sem grande dificuldade riqueza e virtude, e se deixa enganar pelas aparências.
Nesse meio, John Gilbert é um jogador. Numa barcaça, ele entra em um jogo de pôquer para impedir que outro jogador (Alan Hale), desonesto, depene um milionário.
Gilbert consegue realizar a primeira parte de seu intento, que é ganhar a partida de cartas. Mas não tem tempo de concretizar a segunda (devolver ao milionário todos os bens que ele havia perdido): o homem suicida-se antes.
Tudo que vem a seguir desenvolve-se em duas chaves: Gilbert, assumindo falsa identidade, procura, ao mesmo tempo, seduzir a mulher amada (filha do suicida) e demonstrar que não é um canalha, como todos pensam. Visto hoje, o filme parece esquemático em vários momentos (o que não era exceção na Hollywood da época). Mas o encanto da narrativa fordiana triunfa com facilidade sobre esses momentos. Em alguns momentos, sua "mão" única para a construção mitológica se manifesta plenamente (como na bela sequência da corrida de barcaças no rio Mississipi, talvez a mais bela do filme).
Em "Cameo Kirby", ela ainda está aquém do que viria a ser (a grande saga da construção da América pelas pessoas simples), mas seus elementos já apontam nessa direção. Como a prostituta de "No Tempo das Diligências" (1938), Kirby é o malfalado que, por trás da aparência viciosa, possui muito mais virtudes do que os importantões de Nova Orleans. "Cameo Kirby" é o momento precioso de um grande cineasta, no momento em que começa a armar a teia de uma obra exemplar.

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