São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 1994
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Nem branco, nem preto

LUÍS NASSIF

Não há sinal mais indicativo do subdesenvolvimento intelectual brasileiro do que o vício de reduzir toda discussão a rótulos. Não há ângulo da vida nacional que não esteja contaminado por esta praga emburrecedora e anacrônica.
Não há malandro politizado neste país que não trate de defender seus interesses mais mesquinhos atrás de uma destas frases de efeito. Encerra-se qualquer discussão taxando-se o outro lado de "neoliberal" ou "estatizante".
Esta sobrevida do rótulo e do preconceito foi o pior anacronismo que o populismo dos anos 50 criou e a ditadura militar ajudou a perpetuar. Nos anos 70, a repressão idiotizante, a censura, o patrulhamento político ajudaram a matar, por muito tempo, a idéia de nação –como um conjunto de forças, às vezes díspares entre si, mas atuando em torno de objetivos comuns.
A união contra o inimigo comum permitiu o aparecimento de oportunistas de todos os naipes. Um bom discurso social, ou uma profissão de fé liberal, garantia salvo-conduto a toda espécie de marotagem –do fisiologismo político ao acadêmico.
A maldição dos 60
Este vício invade todas as análises. Dependendo dos olhos de quem vê, a Argentina ou é um retumbante sucesso ou um rotundo fracasso. Nada é avaliado com isenção. A observação da realidade, o bom senso e a objetividade cedem lugar à mediocridade dos rótulos.
Mesmo com os avanços registrados nos últimos anos, às vezes parece que a maldição deste maniqueísmo só irá se esfumar na próxima geração. Da faixa dos que estão entre os 30 aos 50 anos, formou-se uma elite intelectual traumatizada, verdadeiros filhos da guerra.
Na juventude, embotaram-lhes a capacidade de fazer política. Na maturidade, mataram sua capacidade de inovação e de iniciativa. Do lado do mercado, pelo vício do lucro fácil nos tempos áureos do mercado financeiro e nas relações espúrias com o governo. Do lado politizado, pela visão grosseira e cartorial de que toda iniciativa estava associada à picaretagem.
Libertação do Estado
A grande renovação do país deu-se ao largo destes arquétipos. Na academia ou nas empresas, surgiu entre pessoas que nem de longe podiam contar com as facilidades de quem era classe dominante –dos filhos da Fiesp aos filhos da Unicamp.
Houve tempo em que a atuação estudantil –especialmente nas universidades– consistia em conquistar as liberdades democráticas. Agora, os universitários têm de começar seriamente a pensar em temas muito mais substantivos: a grande batalha pela libertação do Estado destes grupos empresariais, políticos e acadêmicos que o ilharam.
A grande batalha brasileira é pela consolidação da cidadania, pela despolitização do Estado, pelo primado da competência e da competição. É uma luta que passa pelo reconhecimento do país como uma sociedade plural, sem paternalismo, despida de preconceitos e aberta a novas idéias.
Fazendo isto, não estarão ajudando apenas o país, mas abrindo caminho para destruir os cartórios acadêmicos, empresariais e políticos, que mataram a competitividade, a inovação e que vão se constituir em verdadeira muralha para todos aqueles que tentarem crescer valendo-se exclusivamente de seus próprios méritos.
Quem paga?
O projeto de renda mínima foi apresentado por um senador petista preocupado com a questão da pobreza. Por não envolver intervenção do governo, foi avalizado por luminares do liberalismo. Por ajudar a reduzir as pressões imediatas sobre o plano econômico, foi acolhido pelo ministro da Fazenda.
Faltou um detalhe: quem paga os US$ 12 bilhões anuais, para garantir a renda mínima? No Orçamento deste ano o governo pretende destinar apenas US$ 9 bilhões para todo o atendimento de saúde. O Ministério da Saúde tenta mover mundos e fundos para chegar a US$ 12 bilhões. Tirar o dinheiro de onde?
Caso Suframa
Antes que sofra queimaduras, esta coluna avisa que não põe a mão no fogo por nenhuma das partes envolvidas na luta pelo controle da Suframa.

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