São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 1994
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O Brasil fere a si mesmo

ALBANO FRANCO

Uma reforma do sistematributário é partenatural do menu daspolíticas de estabilização
O Brasil tem um sistema tributário suicida. Penaliza investimentos, desestimula exportações e sobretaxa o setor organizado da economia. O efeito final é o símbolo de um país que fere a si mesmo: o desestímulo ao desemprego e à produção.
Com a revisão constitucional, o país tem a chance de romper este quadro autodestrutivo. O problema tributário brasileiro é uma questão que deve interessar a todos e não apenas aos empresários e governos ansiosos por arrecadar.
Alguns exemplos ilustram a esquizofrenia do nosso sistema tributário:
Perda da competitividade nas exportações. Atualmente, 11,7% dos impostos indiretos são incidentes sobre as exportações e não são desoneráveis. Este número pode ser bem pior, pois não inclui o impacto indireto sobre os preços dos tributos diretos e supõe que os indiretos sobre o valor adicionado –ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias de Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ISS (Imposto Sobre Serviços)– não onerem as exportações. O resultado é que para os segmentos competitivos da nossa indústria, o sistema tributário, além de reduzir a competitividade, representa um verdadeiro subsídio à importação de produtos;
O setor industrial organizado é sobretaxado. A taxação média da indústria é de 21% do faturamento e 36% do valor adicionado. Este último número pode ser comparado com os 25% do PIB, ou seja, o setor industrial paga 44% mais de impostos e contribuições que a média da economia;
Alíquotas de impostos sobre o lucro não-competitivas. A alíquota do Imposto de Renda da pessoa jurídica no Brasil é maior que nos EUA, Japão, Alemanha e México, apenas para citar alguns exemplos. No Brasil existem cinco diferentes alíquotas que incidem sobre o lucro: a alíquota básica de 30% do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), alíquota adicional de 10% para lucros superiores a 25 mil Ufir/mês (Unidade Fiscal de Referência), o adicional estadual, a alíquota do IR na fonte e a Contribuição Social sobre o Lucro. De acordo com cálculos do FMI, para um lucro de US$ 150 mil por ano, a alíquota acumulada é de 42,95% e 51,70% para lucros superiores. O IRPJ efetivo médio, em 1991, estava em torno de 30% e adicionando-se a CSL (Contribuição Social sobre o Lucro), IR-fonte e o adicional estadual subia para 43,1%. Como ser competitivo e integrar-se internacionalmente (mesmo com o Mercosul) com taxas tão elevadas?
Os gastos com investimentos sofrem dupla taxação. Primeiro, na formação de capital; posteriormente, nos serviços decorrentes dos bens de capital quando são repassados ao preço do produto final. A concessão de isenções a certos bens de investimentos foi concebida para evitar esta bitributação. Mas a natureza seletiva induz a distorções adicionais. Além do mais, só são concedidos créditos a bens intermediários que entram fisicamente no produto final. Este tratamento introduz um viés contra as indústrias que se utilizam preponderantemente de serviços e também inibe o desenvolvimento de atividades no setor terciário. Segundo estudos da ABDIB (Associação Brasileira das Indústrias de Base), o custo do investimento no Brasil, mesmo com alíquota zero do IPI, é 26% superior ao da Alemanha.
Impostos indiretos complexos e não-neutros. A grande diversidade de alíquotas do ICMS e, principalmente, do IPI que variam de 0% a 33%, associado ao regime vigente de crédito e a multiplicidade de isenções explicam a complexidade e existência de inúmeras distorções em nosso sistema tributário. Os demais impostos indiretos –Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), PIS (Programa de Integração Social), Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público)– sendo em cascata, oneram, sem possibilidade de desagravo, as exportações;
Concentração de tributos no fator trabalho. As contribuições sobre folha salarial atingem 46% –nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a alíquota média marginal é de 32% e na Argentina, Colômbia, México e Venezuela o valor se situa em cerca de 26,1%– sendo 20% do empregador, 8% do FGTS, 2,5% do salário-educação, 2% do seguro contra acidente do trabalho e 3,2% de outras contribuições. A cunha entre o salário pago e o custo da mão-de-obra é ainda ampliada pelo aviso prévio, indenização adicional de 40% do FGTS para dispensas não-justificadas, vale-transporte e outros dispositivos legais.
As anomalias do nosso sistema tributário são, em parte, efeitos de uma economia que convive com a superinflação. Para evitar perder receitas para a inflação, os sucessivos governos vêm aumentando impostos e, sobretudo, elevando a carga sobre um conjunto expressivo de impostos e taxas que sabidamente geram maior ineficiência para a economia (em geral, são impostos em cascata), mas que são atraentes para o "leão" do Tesouro (fáceis de arrecadar e escapam à partilha com Estados e municípios).
Este é um custo da longa convivência com a inflação que nem sempre percebemos. Por isso considero que o combate à inflação deve ser o mais importante objetivo da sociedade brasileira. Em face das disfunções geradas, uma reforma do sistema tributário é parte natural do menu das políticas de estabilização.
Como enfrentar esta questão? Em primeiro lugar afastando a máxima "imposto bom é imposto velho". Bom para quem? Para a competitividade e geração de empregos da economia? O que devemos perseguir é um sistema tributário que gere uma arrecadação compatível com a estabilização, mas que passe pelo teste da eficiência ao não desestimular a produção e o emprego.
O curioso é que esta não é uma solução incompatível. Olhemos para um modelo de justiça social que é a Suécia. Nos anos 20, com a ascenção da social-democracia ao poder, forjou-se um sistema tributário com forte conteúdo distributivista na pessoa física (cujos excessos estão sendo podados no mundo competitivo dos anos 80/90), mas com expressiva preocupação com os impactos sobre competitividade e investimentos das empresas.
O Brasil tem de enfrentar a modernização, sem perda de tempo. A sociedade e o Parlamento brasileiros têm o desafio de completarem o ciclo de modernização institucional do país, dotando-o de um sistema tributário que crie condições favoráveis ao crescimento, ao emprego e à integração internacional. Com o atual sistema, o Brasil destrói empregos e fere a si mesmo.

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