São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Voto distrital

JOSÉ SARNEY

Washington, quando entregou o governo dos Estados Unidos, fez uma severa advertência contra os partidos políticos: "Cuidado com eles". No Brasil, nos esquecemos que a política dos governadores, quando foi proposta por Campos Sales, era para evitar o domínio dos partidos. No discurso de lançamento, ele dizia isso com todas as letras. A tradição brasileira sempre foi contra os partidos. Gostamos mais de facções regionais, grupos, alas, dissidências do que da unidade partidária.
A verdade é que a democracia moderna não pode ser forte sem partidos fortes, organizados, com doutrina e programa. Onde não existem os partidos cumprindo essas finalidades, intermediando a vontade partidária, ela é um frágil equilíbrio.
Sempre tivemos uma sedução de criar partidos por decreto. Em 45, na lei Agamenon Magalhães, dos partidos nacionais, em 1965, com a criação do MDB e Arena. O partido político, como acentua Duverger, vive de sua liberdade. É um grupo de pressão que dentro da sociedade se distingue dos outros porque deseja não influenciar o poder, mas exercer o poder. Deve ser autonômo e não fruto de regulamentos.
Chile, Argentina, Paraguai, Bolívia –para citar nossos vizinhos– têm partidos centenários. No Brasil é difícil um partido completar sequer bodas de prata. Por quê? Porque nós não queremos acreditar que partidos longevos, estáveis, capazes de dar estabilidade são resultantes do sistema eleitoral.
O voto proporcional desintegra os partidos, faz a proliferação deles. O voto majoritário é formador de partidos grandes, estáveis, capazes de dar estabilidade aos governos e realizar o grande sonho do governo democrático: alternância do poder.
Agora, estamos nessa trágica revisão constitucional e não mudamos o sistema. Há perigos de resistência. "O voto distrital não cria líderes, só representantes medíocres." Eles esquecem que todos os grandes estadistas do mundo floresceram no voto distrital. São os mesmos argumentos, os mesmos, utilizados contra o conselheiro Saraiva e sua lei, há mais de 100 anos. "Favorece o abuso do poder econômico". Ora, o voto proporcional foi abolido da Itália, como o maior responsável pela corrupção que varreu o país. Aqui, ele deu na CPI do Orçamento!
Quando vamos sair dessa armadilha que é o voto proporcional, o maior responsável pela crise política brasileira?
Sem voto majoritário não há parlamento forte. Sem parlamento forte não há democracia forte. Esta é a grande verdade que nos recusamos a aprender e ficamos a fazer leis para limitar partidos, controlar gastos eleitorais, fidelidade partidária, que apenas terminam numa grande farsa e no estímulo à hipocrisia. O mal está na raiz, o voto proporcional.

Texto Anterior: Afronta
Próximo Texto: Desprezo por desprezo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.