São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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Festival aponta dilemas da produção recente

LEON CAKOFF
DE GUADALAJARA, MÉXICO

A "Nona Muestra de Cine Mexicano en Guadalajara", que terminou ontem, reuniu mais de 150 convidados internacionais convocados pelo governo mexicano (a Universidade de Guadalajara e do Instituto Mexicano de Cinematografia) para ver a sua mais recente produção de filmes. Esta política oficial resultou na difusão dos filmes mexicanos produzidos nos últimos cinco anos em 300 festivais e um total de 79 prêmios internacionais.
Ou seja, de 51 longas mexicanos, 18 obtiveram prêmios em festivais internacionais o que equivale ao reconhecimento de 35% de toda a produção nacional. E, melhor ainda, promoveu "Como Água para Chocolate", de Alfonso Arau, ao posto de filme latino-americano de maior sucesso internacional. Infelizmente, o filme de Arau não fez escola.
A nova safra de filmes não se dispõe a fazer concessões aos elementos tradicionais da cultura mexicana. O complexo cultural parece ter empurrado todos os novos filmes a um escapismo de linguagem repleto de bons momentos cinematográficos, mas sem nenhuma identidade nacional.
Vamos aos filmes vistos: "Ambar", de Luis Estrada, com um visual exuberante, viaja por um país hipotético, com maquetes e cenários de Indiana Jones, atrás de uma pedra filosofal. "Amorosos Fantasmas", de Carlos Garcia Agraz, mescla luta livre (muito popular na televisão mexicana) e desafiantes mascarados, com filme-noir. O resultado não é nem popular, nem refinado.
"Bienvenido-Welcome", de Gabriel Retes, junto com "Desiertos Mares", de José Luis Garcis Agraz, faz uso da metalinguagem para evocar com bom humor o difícil parto de uma produção de cinema. Dentro do filme de um casal aterrorizado pelo contágio da Aids, propositalmente mal-interpretado e mal dialogado em inglês, surge a equipe caótica de um cineasta estreante que não sabe como levar sua aventura a um final razoável. "Desiertos Mares" pode ser considerado o mais mexicano dos novos filmes. Evoca a conquista do país pelos espanhóis através de um roteiro deixado pelo pai de um cineasta em depressão depois que é abandonado pela mulher.
"Dollar Mambo", de Paul Leduc, mundialmente festejado por filmes como "Reed: México insurgente" (1970) e "Frida" (1984), é apenas uma brincadeira preguiçosa sobre sentimentos antiamericanos. Uma salada de ritmos caribenhos, mal-encenada e mal dançada, reconstitui a invasão do Panamá pelos EUA em 1990. Um lamentável fato político vira um filme lamentável. "E Medio de la Nada", de Hugo Rodriguez, é um bem aplicado filme de estreante. O autor desfila toda a sua paixão por cinema com personagens que parecem saídos de uma série interminável de filmes americanos do ciclo da poeira (dos desertos).
"Hasta Murir", de Fernando Sariñana, é sobre delinquência juvenil em Tijuana. É outro filme de estreante a evocar o cinema do Norte. Os "Tijuana boys" do filme estão mais para chicanos sem saída de filmes de Hollywood sobre gangues de Los Angeles. "Principio y Fin", de Arturo Ripstein, é o que mais se aproxima das tradições mexicanas. Só que no mal sentido, da sua tradição de novelões melodramáticos, moralistas. Uma viúva empurra a filha para a prostituição e o filho para a total submissão para possibilitar os estudos de um terceiro, o mais canalha de todos.
Finalmente, "Vagabunda", de Alfonso Rosas Priego, reune o que há de pior na cultura popular do cinema brasileiro dos anos 70, do tempo das pornochanchadas. Haverá mais filmes mexicanos ainda em 94, não concluídos a tempo da "Muestra de Guadalajara". O mistério não é saber como serão os próximos filmes mexicanos sob a bênção das subvenções estatais. E sim, o que será do novo cinema mexicano com as próximas eleições presidenciais no país, em agosto. Todos os cargos de confiança do governo, da reitoria da Universidade de Guadalajara à direção do Instituto Mexicano Cinematográfico, sofrerão mudanças. Há também o Tratado de Livre Comércio com os norte-americanos que pode forçar o fim das subvenções estatais à indústria cinematográfica.
Coincidência ou não, o estado mexicano se retirou dos negócios de distribuição e exibição de filmes há um ano. Isso é lamentavel na opinião de Mário Aguiñaga Ortuño, um dos principais responsáveis pela difusão do novo cinema mexicano pelo mundo. "O processo em marcha", ele diz, "com a venda das salas de cinema e a modernização delas, servirá unicamente para desafogar o lançamento de filmes americanos que até agora chegam com atraso ao México. Se agora já não temos espaço em nossos cinemas para a produção nacional, imagine um futuro ainda mais lamentável para o cinema mexicano."

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