São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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Fotógrafo de Che e Fidel expõe em SP

FEDERICO MENGOZZI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O cubano Alberto Díaz Gutierrez (Korda) ficou famoso fotografando os guerrilheiros barbudos que fizeram a revolução em Cuba. Korda é o autor de uma das imagens do século, aquela que mostra Ernesto Che Guevara num momento de fúria mitológica. Guevara, conta Korda, não viu a foto, que depois correu o mundo em pôsteres, "t-shirts" etc.
Korda atuou em publicidade, fotojornalismo e fotografia científica. Aposentado, aos 66 anos, ele e um grupo de jovens fotógrafos querem cutucar o puritanismo da sociedade revolucionária e organizar o 1º Salão do Nu Cubano, em Havana. Korda está no Brasil pela quarta vez para a mostra "Arte do Momento", uma coletiva de artistas brasileiros e cubanos e uma retrospectiva de 45 anos da fotografia em Cuba. A mostra começa em São Paulo na próxima terça (veja texto abaixo), onde Korda vai vender cópias autografadas de sua mais célebre foto por US$ 300.
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Folha – Como o sr. tirou a famosa foto de Ernesto Che Guevara?
Alberto Díaz (Korda) – A foto fez 34 anos há duas semanas. No dia 6 de março de 60, se celebraram os funerais das 136 vítimas da sabotagem de um barco carregado de armas, na baía de Havana. Na entrada do cemitério, improvisou-se uma tribuna, Fidel falou e, num instante impreciso, de um segundo plano surgiu Che Guevara e tive a oportunidade de fazer dois negativos, um horizontal e um vertical. Levei a foto ao "Revolución", o órgão oficial do Movimento 26 de Julho, mas não foi publicada. Eu gostava da foto e a coloquei em meu estúdio.
Folha – Como a foto ganhou o mundo?
Korda – Em 66 ou 67, quando já não se sabia onde estava Che, um dia um italiano chegou ao meu estúdio procurando uma foto de Guevara. Mostrei a foto, ele gostou. Eu disse que era um presente. Meses depois, anunciou-se o assassinato de Guevara na Bolívia. O italiano, soube depois, era o editor Giangiacomo Feltrinelli, da Feltrinelli, de Milão.
Folha – Foi ele quem percebeu o potencial comercial daquela imagem?
Korda – Sim. Feltrinelli era um anarquista de esquerda, que utilizava literatura e personagens de esquerda para seus negócios. Foi ele quem foi à União Sovieética e comprou os manuscritos de "Doutor Jivago", de Boris Pasternak. Ele foi à Bolívia para pedir a liberdade de Regis Debray, intelectual francês que estava preso. O governo boliviano negou e o expulsou do país. Mas ao falar com Debray, teve a certeza de que Guevara dirigia a guerrilha. E concluiu que não sairia vivo e que, se morresse na Bolívia, se converteria em um personagem mitológico. Então, ele foi à Cuba, atrás de uma foto. Em cinco meses, Feltrinelli vendeu 1 milhão de pôsteres com a foto de Guevara, a US$ 5 cada. Assim como ele não pagou Pasternak por "Doutor Jivago", também não me pagou nada. Mas agradeço a Feltrinelli o fato de ter feito a foto famosa. Afinal, eu a dei de presente e não lhe perguntei o que faria com ela.
Folha – Ao menos a foto saiu com crédito?
Korda – Não. Ao invés de Foto Alberto Korda saiu copyright Feltrinelli. O sucesso da foto mundo afora é um mistério para mim. Existem muitas fotos boas de Che, mas parece que as pessoas encontram o seu caráter, alguém que morreu lutando por um povo que não era o seu, nessa expressão, nesse olhar para o infinito..
Folha – E como foi estabelecida a autoria da foto?
Korda – Eu tenho o original e fiz exposições pelo mundo, na Espanha, França, Itália, Noruega etc. Em Milão, sugeriram que acionasse o editor. Não levei adiante. Se não ganhei nada com a foto, ganho com cópias assinadas por mim, porque é minha obra. Porém, da foto, fizeram T-shirts, bandeiras, chaveiros e muito mais. Todo mundo fez o que quis com a foto, sem me pedir autorização. Isso me levou a filosofar sobre o imperialismo, que é muito inteligente. Pega um herói e o transforma em mercadoria. Um jovem de 15 anos coloca uma camiseta com o Che como se ele fosse Mickey Mouse. Perde o sentido. Eles manejam com sabedoria essa questão.
Folha – Como era pessoalmente Ernesto Che Guevara?
Korda – Tinha um caráter muito duro, mas era muito humano. Era capaz de castigar fortemente o companheiro de trabalho mais querido se cometia uma falta. Depois de Fidel Castro, o herói mais admirado pelos cubanos foi Che Guevara.
Folha – De onde provém o pseudônimo Korda?
Korda – Meu nome de fotógrafo se origina do estúdio Korda, que existia em Havana. O estúdio foi fundado em 1956, três anos antes da Revolução Cubana. Eu me dedicava à fotografia publicitária e minha especialidade eram as modelos. Por essa época, era grande o mercado, pois em Cuba se faziaa publicidade de muitos países do Caribe e da América Latina.
Folha – O estúdio acabou com a Revolução?
Korda – Existiu até 1968. Mas já trabalhava em jornalismo, como repórter fotográfico, e pouco a pouco fui me convertendo em fotógrafo pessoal de Fidel Castro, Che Guevara e outros personagens da revolução. Em 1969, quando o estúdio já não existia, o governo criou um grande estúdio-laboratório fotográfico para os serviços do Estado, vinculado ao Ministério do Interior. Para trablhar, era necessário ser membro do Ministério e se vestir como militar. Eu não tenho vocação para militar e fui embora. Me dediquei por 12 anos à fotografia científica submarina, no Instituto de Oceanologia da Academia de Ciências de Cuba.
Folha – Como define os três setores nos quais trabalhou? As fotos de moda, por exemplo...
Korda – As fotos de modelos que fiz nos anos 50 são consideradas clássicos da fotografia cubana desse período. Num tempo em que a fotografia de moda era sobretudo posada, feita em estúdio, comecei a levar as modelos a exteriores, pedia que atuassem como seres humanos.
Folha – E a fase revolucionária?
Korda – Fui um participante da revolução. Trazia uma câmera ao peito e captei tudo aquilo que me comovia. Depois, quando tive de conviver com Fidel Castro, às vezes por 15, 20 dias, em Cuba e fora de Cuba, dei-me conta de que estava ao lado de um homem genial e, mais que registrar sua estatura política, como fazem os fotógrafos de alguns estadistas, preocupei-me em registrar o ser humano que morava nele, seu caráter. Folha – Como o sr. vê a fotografia cubana atual?
Korda – Há muitos jovens fazendo um trabalho de qualidade. E, devido ao bloqueio, que provoca a escassez de filme, papel, revelador, fixador, tudo, fazem muito esforço para mostrar um trabalho. Eles precisariam gastar material para aprender, mas não podem. Ainda assim, fazem um trabalho interessante. Destaca-se agora um grupo de jovens que fazem fotografias de nus. Atualmente faço uma coleção de nus, como expressão artística, e junto a esses jovens quero organizar este ano em Havana o 1º Salão do Nu Cubano. Havia um certo preconceito contra o tema. Às vezes, no início, uma sociedade revolucionária se converte em mais puritana que as sociedades burguesas.

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