São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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Kirkeby traz sua pintura 'exótica' a SP

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

O artista dinamarquês Per Kirkeby (pronuncia-se Pêr Kírkebi), 55, vai defender uma causa quase perdida na próxima Bienal Internacional de São Paulo, em outubro. É a causa da pintura, e da pintura semi-abstrata. Dos contemporâneos presentes em sala especial no evento (John Chamberlain, Richard Long, Patrick Villaire, Jorge Molder, Jesus Soto), apenas Kirkeby e Robert Rauschenberg são pintores. Mais próximo do abstrato, só Kirkeby.
Kirkeby ensaiou uma pintura pop, com influência da história em quadrinhos, nos anos 60. Mas depois passou crescentemente ao informalismo, a uma pintura com forte presença do gestual e com referências figurativas, que lembra Robert Motherwell e o grupo Cobra. Também é escultor, escritor e cineasta. Na entrevista a seguir, feita na quarta-feira passada por telefone de sua casa em Copenhague, fala sobre o que vai trazer à 22ª Bienal, a pintura atual e o pós-modernismo.
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Folha - O que o sr. pretende trazer à Bienal de São Paulo?
Per Kirkeby – Uma seleção de minhas pinturas e algumas esculturas pequenas. Quero levar obras que sejam mais típicas do meu trabalho. Acho que elas vão parecer muito nórdicas, exóticas, para o público brasileiro. Mas isso é importante.
Folha - Por quê?
Kirkeby – Não quero parecer internacional, acho isso bobagem. Identidade é algo de que você não escapa. Em última análise, os mais internacionalistas sempre soam provincianos.
Folha - Como o sr. vê a condição da pintura atual?
Kirkeby – Acho que está boa, muito boa. A pintura é uma coisa simples da qual se pode fazer algo bastante complexo. É um instrumento de trabalho muito mais complicado que um computador.
Folha - O sr. usa formas de natureza em uma pintura abstrata. Por quê?
Kirkeby – Eu não chamaria minha pintura de abstrata. A pintura sempre se refere a alguma coisa. E sempre vem da relação entre orgânico e construtivo, entre intuitivo e racional. Procuro dar força à minha pintura com essa equação. Agora, a pintura existe há muito tempo. Você não pode pintar sem consciência do que já pintaram. Tudo já foi pintado.
Folha - O sr. se diria então um pós-modernista?
Kirkeby – Não, em absoluto. Os pós-modernistas cometem um equívoco. Fazem a coisa ficar mais fácil: basta aludir ao que já foi feito, e pronto. O segredo da arte é tratar todas as coisas como se fosse pela primeira vez. Quando você faz isso, faz algo completamente novo. Soa como um paradoxo, mas é isso. Você tem de achar o seu jeito de fazer a coisa.
Folha - O sr. pinta, esculpe, filma, escreve. Acha que a arte tem de dialogar com a mídia?
Kirkeby – Não necessariamente. Como disse, a pintura é um meio muito simples. E é muito mais radical fazer uma pintura quase sem sentido hoje, quando tudo está tão carregado de significados, do que essa arte da mídia. Claro que os jovens pretendem estar na moda, e sentem necessidade de lidar com novas tecnologias, mas eu não.
Folha - O que o sr. acha da tese do curador da Bienal de São Paulo, Nelson Aguilar, de que a arte contemporânea se caracterizou pela quebra dos suportes, entre eles a tela?
Kirkeby – Não concordo. A arte contemporânea tem outras características que não se reduzem a isso. Sem sair da tela, sem mesmo a consciência de que outros saíram da tela, você pode fazer pintura contemporânea.
Folha - Quais suas principais influências? E o que acha do expressionismo abstrato?
Kirkeby – Minhas influências são Delacroix, Turner, Constable, expressionistas como Munch e Ensor, e a história em quadrinhos. Admiro alguns mestres do expressionismo abstrato, mas acho que em geral existe pouco trabalho naquelas pinturas.

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