São Paulo, terça-feira, 22 de março de 1994
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Cineasta suíço ataca os "dinossauros"

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Daniel Schmid, 52, foi um dos cineastas mais interessantes da renovação do cinema suíço nos anos 70. Assistente de Fassbinder, Schmid realizou filmes, como "Heute Nacht oder Nie" (1972) e "La Paloma" (1974), que foram considerados obras-primas pela crítica européia.
"Fora de Estação" ("Hors Saison"), o último filme do cineasta e diretor de ópera, se sustenta dentro de uma perspectiva mais melancólica, de uma nostalgia autobiográfica, sobre personagens mortos. São tipos fellinianos (a irmã do cineasta italiano, Maria Madalena Fellini, faz parte do elenco) que povoam um grande hotel nos Alpes.
Schmid, que chegou à São Paulo no sábado para participar da abertura da mostra, falou à Folha por telefone, de Buenos Aires.
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Folha - Existe um cinema suíço hoje?
Daniel Schmid - Existem pessoas fazendo filmes. Não acredito em cinemas nacionais. Essa idéia foi usada para defender cinemas emergentes como o tcheco. Mas o que é o cinema tcheco? Acredito num cinema de autor, que tenta sobreviver com dificuldade diante dos dinossauros.
Folha - Não existem traços comuns na produção suíça?
Schmid - A Suíça é um país muito pequeno, com uma diversidade cultural enorme. Não dá para fazer filmes para o próprio país e você depende cada vez mais de co-produções internacionais para sobreviver. Esse cinema é um mosquito diante dos dinossauros.
Folha - Quais são as principais dificuldades desse cinema?
Schmid - É cada vez mais difícil produzir um cinema de autor. Há 20 anos venho fazendo um cinema pessoal, um projeto independente, ao mesmo tempo em que escrevo livros e dirijo óperas. Esse projeto já é velho, você pode dizer que também sou um dinossauro. Mas prefiro dizer que sou um mosquito dentro dessa conjuntura, mas um mosquito que pica.
Folha - Em relação a seus outros filmes, "Fora de Estação" é uma narrativa mais clássica.
Schmid - É um projeto autobiográfico, que não existia nos outros filmes. É um homem que entra num lugar em busca de uma memória, de personagens que não existem mais. É uma narrativa mais clássica, um relato, porque é a forma mais apropriada para narrar uma memória, a imagem de pessoas que desapareceram.
Folha - Você foi bastante próximo de Michel Foucault. Você acha que ele marcou de alguma forma o seu trabalho?
Schmid - É difícil dizer que alguém marcou alguma coisa na sua vida. É difícil dizer o quê. Michel Foucault era meu amigo. É lógico que você é marcado por muitas coisas. Mas tento não analisar. Se fosse querer analisar, não conseguiria fazer mais nada.
Folha - Por que você decidiu filmar "Fora de Estação" em Portugal?
Schmid - Era mais uma forma de me distanciar da realidade. Estava fazendo um filme sobre as minhas memórias, o hotel em que passei a minha infância e personagens que conheci. Era preciso que o filme estivesse o mais longe possível dessa realidade para que eu próprio o visse como ficção. Todos os relatos são ficção. Mesmo essa nossa conversa telefônica. Quando desligarmos, eu vou contá-la de um jeito e você de outro. É preciso que a memória seja entendida como ficção também.
Folha - Como é que você viu toda a discussão recente entre os Estados Unidos e a Europa em torno do comércio de filmes? Você é protecionista?
Schmid - O que você acha? Não sou por um cinema nacional. Faço filmes em francês, alemão e italiano. Sou por um cinema europeu de autor, onde possam sobreviver projetos como o meu. O cinema é internacionalista. A situação é muito difícil, o imperialismo do cinema americano não permite que haja outros cinemas. Mas não sou dos que se lamentam. Ninguém me obriga a fazer filmes. Faço porque quero. Escolhi essa vida: não ter que entrar todo dia às 9h em um banco e sair às 17h, poder trabalhar com essa variedade, mesmo insegura. Meu próximo filme, por exemplo, será rodado no Japão. Prefiro não falar desse projeto, porque sou supersticioso. Paralelamente ao filme, estou escrevendo uma ópera com Barry Gifford, o autor de "Coração Selvagem", o filme de David Lynch.
Folha - O que você está fazendo na Argentina?
Schmid - Vim trazer as cinzas do meu amigo e principal colaborador, o cenógrafo Raúl Giménez, que era argentino. Enterramos as cinzas em seu jardim.
Folha - Você foi responsável por parte de um documentário sobre o cinema suíço que será exibido em São Paulo durante o ciclo. A sua parte diz respeito ao cinema amador, entre 1912 e 1931. Qual o interesse que você tem por essa produção amadora?
Schmid - A idéia surgiu em discussões com Freddy Buache, diretor da cinemateca suíça. Colocamos anúncios, pedindo filmes amadores dessa época. Recebemos inúmeras latas. O que me fascinou foi o mistério. Aqueles filmes cujos personagens nós desconhecíamos, feitos por pessoas que não sabíamos quem eram.

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