São Paulo, terça-feira, 22 de março de 1994
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A nova Geni

JOSÉ SERRA

Chico Buarque cantou, com arte e sentimento, a desventura da prostituta de uma pequena cidade, usada e injuriada por todos: "Joga pedra na Geni/ Ela é feita pra apanhar/ Ela é boa de cuspir/ Ela dá pra qualquer um/ Maldita Geni". Há alguns meses, os políticos brasileiros estão sendo transformados em novas Genis e agredidos e insultados como se todos, sem distinção, fossem corruptos e malandros.
A indignação popular contra os "maus políticos" é compreensível depois dos escândalos que levaram ao afastamento do ex-presidente Collor e à investigação das atividades da Comissão de Orçamento do Congresso, ou mesmo depois de votações absurdas como a da semana passada, quando a maioria dos deputados, mediante voto secreto, procurou aumentar os salários do Legislativo. É errado, porém, investir contra os políticos em bloco. Quem procede assim, comete pelo menos quatro erros graves.
O primeiro é não levar em conta que, se existem políticos desonestos e preguiçosos, que desonram seus mandatos, existem também muitos políticos sérios e trabalhadores. Quem os mistura no mesmo saco de pancadas, esconde e protege justamente os maus políticos.
Por acaso, não são deputados e senadores que estão apurando, com trabalho e coragem, os abusos cometidos por outros deputados e senadores? E sempre que se fala de parlamentares gazeteiros, esquece-se que existem outros, presentes nas sessões e empenhados em suas tarefas?
O segundo erro é raciocinar como se existissem farsantes apenas entre os políticos. Esqueceram-se os juízes e advogados condenados por facaltruas na Previdência? Será que nenhum empresário ou profissional liberal sonega impostos? Os jornalistas, sem exceção, estão acima de qualquer suspeita?
O maniqueísmo moral que condena em bloco os políticos e absolve em bloco as outras categorias profissionais é falso e pernicioso. O Brasil precisa de muito mais ética na política, mas também nos negócios, nos meios de comunicação, no ensino, nas atividades esportivas e até mesmo nas relações familiares.
É evidente que a exigência sobre os homens públicos deve ser maior, face à sua responsabilidade social. Mas, por isso mesmo, não podem ser julgados de forma simplista. Não existe democracia representativa sem políticos e sem partidos. Atacá-los indiscriminadamente é fazer o jogo espúrio dos inimigos da liberdade, queira-se ou não. Nos regimes autoritários, a corrupção é até mais fácil, pela falta de liberdade de expressão e de controle social. A democracia não impede a corrupção, mas possibilita que seja denunciada, apurada e punida.
Por isso, o quarto erro dos que embarcam no ataque indiferenciado aos políticos é talvez o mais sério: esquecem suas próprias responsabilidades. No Congresso se encontra todo tipo de parlamentar, mas não existe nenhum que não tenha sido eleito pelo voto popular. Em 1994, serão escolhidos novamente o presidente, os governadores, os deputados federais e estaduais e a maior parte dos senadores. Votando com lucidez e ética, os eleitores poderão livrar o país de muitos dos políticos indolentes e aproveitadores.
Esta é a solução realista, e não fechar o Congresso e adiar as eleições, sonhando com ditadores puros e fazedores de milagres.

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