São Paulo, terça-feira, 22 de março de 1994
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Alvo sob medida

IBSEN PINHEIRO

"A gincana da CPI oferecia um prêmio bastante disputado: a possibilidade de acabar com a carreira política de adversários (...). Na primeira semana de funcionamento da CPI, três membros da subcomissão de Bancos foram jantar no restaurante japonês do Naoun Plaza Hotel. Representavam três partidos: PFL, PPR e PT. O cardápio era o mandato do peemedebista Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara. Naquele dia, ficou decidido que Ibsen Pinheiro seria a prioridade número um da subcomissão. Durante 15 dias, todo o aparato técnico (da CPI) se dedicou a levantar dados sobre Ibsen e divulgá-los meticulosamente à imprensa".Do livro "Os Donos do Congresso –A Farsa na CPI do Orçamento", recém-lançado, dos jornalistas da Folha, Gustavo Krieger, Fernando Rodrigues e Elvis Cesar Bonassa.
"Seus créditos bancários entre 1989 e 1993 atingiram, em primeira análise, US$ 2.376.956,00. Constatou-se, depois, equívoco (...) restam US$ 847.992,00 para os quais a subcomissão (...) não encontrou elementos capazes de justificar suas origens".
Do relatório final da CPI.
Os dois fatos acima, relatados por autores insuspeitos, resumem o drama que me foi imposto. Objetivo político, números errados e vazamentos intencionais produziram a imensa atoarda que me atingiu.
Agora se vê. Foi um "equívoco", e o seu aproveitamento político foi programado. Pequeno engano que ultrapassa US$ 1,5 milhão nos valores de que supostamente eu devia dar conta.
Claro que a confissão do engano não teve a repercussão dos vazamentos. Não repercutiu nada, quer na imprensa, quer na CPI. Também não foi registrado, observado, referido ou sequer notado na votação final da CPI, aliás unânime, singularmente, numa casa em que nem mesmo a letra do Hino Nacional tem a adesão de todos.
Essa unanimidade requer, por sinal, uma reflexão. Por que terá acontecido? Um Parlamento democrático é, por definição, uma soma de dissenções, conflitos, dissídios e entrechoques, tanto de idéias como de interesses, até por efeito da própria representação de idéias e interesses conflitantes. Os momentos de unanimidade, portanto, devem ter sua causa fora da aparente convergência de opiniões, e aí só resta uma hipótese –a convergência dos interesses.
É nesse ponto que a descrição feita pelos jornalistas da Folha dá o flagrante. A CPI teve objetivos e limites precisamente determinado pelas forças políticas que a dominaram e conduziram. Investigação sob medida.
Fixou-se um tamanho, um formato. Se não era possível ampliar ao máximo o âmbito das investigações, também não seria conveniente reduzi-las ao mínimo. Era necessário encontrar aquele meio-termo que aplacasse as cobranças e não ampliasse perigosamente o rol dos investigados.
Foi aí que eu entrei, literalmente. Cumpri o doloroso papel que um colega e amigo definiu com precisão: no meu nome se juntavam dois elementos perigosos para o usuário: a aparência de poder, sem poder. Capaz de despertar rivalidades, sem oferecer riscos. Forte para a repercussão, fraco para a retaliação.
Daí a unanimidade na CPI, mais fácil de construir do que uma conflitada maioria. Esquerda, direito, centro, todos se encontraram na unanimidade, que, no caso, não foi burra, como dizia Nelson Rodrigues. Foi muito esperta.
E compreensível. Numa casa política, as soluções são políticas e consensuais, se não contrariam nenhum interesse poderoso, ou ao menos significativo. Foi o caso. Meu partido, o PMDB, foi o único a não participar das negociações que os demais partidos fizeram todo tempo.
E por que contra mim? Apesar de tudo, resisto à paranóia. Não foi uma conspiração, foi algo mais sutil e eficiente –a conjugação dos interesses, movendo-se na direção mais fácil, onde não houvesse obstáculos. Como água de morro abaixo, pouco importando se a poderosa enxurrada fosse fazer alguma vítima indefesa.
Como dizia Marx, não de todo revogado, no teatro dos conflitos humanos cada ator assume o seu papel, conforme os seus interesses e os que represente, sem que para isso se precise de roteiro ou diretor.
O papel que me atribuíram foi, pelas razões apontadas, o de alvo ideal, especialmente para evitar o perigo mais temido pelos astros da CPI, o terror que lhes tirava o sono, quando os jornalistas passaram a denunciar um cheiro de pizza no ar.
Podia ser pizza, desde que não se parecesse com uma –ou ao que ao menos tivesse um vistoso champignon, representado por um ex-líder e ex-presidente, ao qual não faltava um outro ingrediente indispensável aos ritos sacrificais: a inocência.

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