São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estabilização

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Uma inflação das proporções que estamos vivendo, depois do fracasso do Plano Cruzado, não pode ser explicada apenas pelo déficit orçamentário. No Cruzado, erroneamente, não se deu importância ao déficit. Felizmente, com o Plano FHC colocou-se o déficit público como importante, e é um mérito do ministro ter convencido a sociedade de que sem o equilíbrio orçamentário qualquer tentativa de estabilização estaria condenada ao fracasso.
O equilíbrio orçamentário, entretanto, é apenas uma condição preliminar. O sistema econômico pode ser entendido como constituído de uma série de mercados (demanda e oferta de bens e serviços, trabalho, moeda, títulos e câmbio), cada um com seus próprios preços e sujeitos a restrições externas, como exemplo a oferta nominal de moeda. Se um dos mercados não está no equilíbrio (isto é, os seus agentes não estão satisfeitos com suas posições), ele produz modificações nos outros.
Para cada conjunto de restrições externas, o sistema de preços funciona de forma a equilibrar todos os mercados simultaneamente. E se espera que ele produza o pleno emprego. O equilíbrio orçamentário é fundamental, porque o déficit só pode ser coberto ou pela criação de moeda, ou pela colocação de títulos públicos, produzindo assim desequilíbrio em todos os outros mercados.
O problema brasileiro é interessante. Graças à indexação generalizada e a possibilidade de transformar a dívida em moeda com custos muito pequenos, a oferta monetária é absolutamente endógena. Assim a taxa de inflação é indeterminada e flutua de acordo com os choques reais que atingem o sistema. É por isso que o ataque a inflação passa pela "reinvenção da moeda". A URV é uma engenhosa tentativa de produzir uma coordenação dos preços relativos e da remuneração do capital e do trabalho. Ela desempenha o papel que o dólar realizou em outros países.
Na verdade, todos os programas contêm sempre quatro elementos que não são necessariamente executados na mesma sequência e no mesmo tempo: 1) realização do equilíbrio orçamentário e, quando o montante da dívida é importante, um superávit operacional para diminuí-la; 2) criação de um mecanismo de controle absoluto da oferta monetária, com um banco central independente que se abstém de fazer política monetária; 3) um compromisso extremamente forte de equivalência (e conversibilidade) entre a nova moeda e o dólar, por exemplo; e 4) eliminação da possibilidade de transformar o estoque da dívida na nova moeda, a não ser pagando o deságio que o mercado exigir.
Para seu sucesso, o programa precisa de um compromisso muito claro com a estabilidade da taxa cambial e com reformas estruturais que garantam o equilíbrio a longo prazo das contas públicas. Com relação ao primeiro ponto, temos alguns problemas. Mas as dificuldades maiores residem no segundo. Se não fizermos as reformas estruturais (particularmente na Previdência Social) e não acelerarmos as privatizações, em prazo muito curto o desequilíbrio fiscal emergirá e o programa estará perdido.
É preciso insistir, por outro lado, que nem mesmo a fixação da taxa cambial reduzirá a inflação, se os agentes não perceberem uma mudança confiável e duradoura no regime monetário e fiscal.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

Texto Anterior: Os "anões" e o linchamento
Próximo Texto: Gabriela está de luto
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.