São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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TSE critica impunidade dos presidentes

FLÁVIA DE LEON; CYNARA MENEZES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Sepúlveda Pertence, discorda da imunidade adquirida pelos presidentes da República. "A Constituição de 1988, inexplicavelmente, ressuscitou um dispositivo da Carta do Estado Novo", disse.
Pertence se refere ao parágrafo 4º do artigo 86, segundo o qual o presidente não pode ser responsabilizado por atos estranhos a suas funções. Para ele, esse artigo torna imune o presidente da República que for eleito este ano, já que a prestação de contas será feita após o pleito. O candidato empossado não responderá por eventual crime eleitoral.
Em entrevista à Folha, Pertence voltou a criticar a lei eleitoral elaborada pelo Congresso.
Folha - O que aconteceu na eleição de 1989 que o TSE não vai permitir que aconteça neste ano?
Pertence - O grande tema que os acontecimentos posteriores colocaram em pauta é o financiamento das campanhas eleitorais. Toda a opinião pública tinha a expectativa de que a revelação pública daquilo que não era segredo para os militantes servisse para um avanço e modernização da lei eleitoral. Mas, devo ser sincero, a lei ficou muito aquém do que se esperava.
Folha - O TSE vai divulgar o nome dos financiadores?
Pertence - Este seria o caminho indicado no direito comparado. Expor quais grupos econômicos estão patrocinando esta ou aquela campanha e o eleitor tire suas conclusões. A lei ficou a meio caminho, liberalizou o acesso das empresas ao financiamento e praticamente eliminou qualquer idéia de limite e de transparência. O pior é que se jogou toda a prestação de contas obrigatória para depois das eleições. Na campanha o nosso poder de fiscalizar fica limitado à existência de denúncias, de apuração de fatos determinados.
Folha - O que o TSE pode fazer para modificar este quadro?
Pertence - O que seria mais importante na campanha, uma transparência cotidiana, nós não temos. A opção do legislador foi claramente transpor toda essa demonstração de custos, gastos e suas fontes para depois das eleições.
Folha - Esta eleição, então, vai ser como a outra?
Pertence - A vantagem é a quebra do jogo do faz-de-conta, que tinha efeitos muito perversos. Na medida em que o financiamento era proibido às empresas, só havia uma fonte possível de as empresas intervirem: o caixa-dois, a sonegação fiscal. De tal modo que o candidato era cúmplice de um crime que não poderia ignorar.
Folha - Qual o tipo de candidato que corre o risco de perder a chance de concorrer?
Pertence - Só aquele que no curso da campanha se apurar abuso do poder econômico, hoje restrito à idéia de fontes ilícitas de financiamento ou superação de limite das fontes permitidas.
Folha - Se isso acontecer com o presidente da República eleito, ele poderá ser empossado e passar todo o mandato sem responder a crime eleitoral.
Pertence - A Constituição de 1988, inexplicavelmente, ressuscitou um dispositivo da Carta do Estado Novo, em que o presidente da República não pode ser responsabilizado por nenhum ato estranho ao exercício de suas funções, entre os quais os atos anteriores a sua investidura. Eu nunca entendi este artigo. É digno de uma monarquia. Parte do dogma da intangibilidade do monarca.
Folha - Como o TSE vai poder fiscalizar se o tribunal só age quando provocado?
Pertence - Mas há provocadores em penca (risos).
Folha - Os políticos estão reclamando que a propaganda vai ser chata por só permitir cenas em estúdio.
Pertence - Há muito político que em vez de participar intensamente na elaboração da lei eleitoral, depois de feita, vem reclamar resoluções no TSE. A propaganda havia chegado a uma sofisticação que minimizava o sentido de propagação de idéias e de compromissos e ainda multiplicava os custos. O Congresso fez uma opção pela simplificação.
Folha - Para o telespectador, os programas vão ficar muito mais aborrecidos, não?
Pertence - Depende. Confesso que me irritava um certo tipo de manipulação, sobretudo dos programas de difusão partidária nos períodos não-eleitorais. A reação do Congresso pode ter sido severa, mas foi feita. Além disso, eu não acho o meu amigo Lula tão chato assim.

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