São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Insubordinação na tropa foi estopim

DA REDAÇÃO

As origens do movimento de 1964 remontam às crises militares que se sucediam desde 1954 (Jacareacanga, Aragarças). Até então, porém, esses movimentos fracassavam porque a maioria dos oficiais mantinha posição de respeito à legalidade. No governo Goulart, porém, três episódios –revolta dos Sargentos, revolta dos Marinheiros e festa no Automóvel Clube– abalaram a lealdade dos oficiais ao presidente, provocando sua queda.
A primeira crise surgiu em 12 de setembro de 1963. Quinhentos sargentos da Aeronáutica e da Marinha se sublevaram em Brasília em protesto contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que vetou a diplomação dos sargentos eleitos em 1962 (pela Constituição, os militares eram inelegíveis). Os rebeldes ocuparam os Ministérios da Marinha e da Aeronáutica, a Base Aérea e o aeroporto. O ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, conseguiu sufocar o movimento –que provocou duas mortes e algumas dezenas de feridos.
Os sargentos rebelados faziam parte da frente nacionalista, que apoiava João Goulart. O presidente adotou posição ambígua face ao movimento. Seus aliados à esquerda (FMP, CGT, UNE) se declararam solidários à reivindicação dos sargentos e pediram que os rebeldes fossem anistiados.
A rebelião solapou a lealdade de muitos oficiais, para os quais Goulart promovia a indisciplina nas Forças Armadas. O comandante do 2º Exército, general Peri Bevilacqua, legalista que apoiou decisivamente a posse de Goulart em 1961, culpou a CGT pela insurreição. Acabou substituído pelo general Amaury Kruel.
Em outubro, nova crise: o governador Carlos Lacerda (UDN) fez duras críticas a Goulart através da imprensa. Os ministros militares consideraram a entrevista injuriosa, e sugeriram a Goulart a decretação do estado de sítio para afastar Lacerda do governo e conter os radicais de direita e esquerda. Em 4 de outubro, Jango envia o pedido ao Congresso. No entanto, a bancada do PTB temia que o presidente aproveitasse a medida para afastar também o governador Miguel Arraes, de esquerda. Sem apoio em seu próprio partido, Jango retirou o pedido no dia 7. A derrota reduziu ainda mais seu apoio junto à oficialidade.
No final do ano, politicamente isolado, Goulart decide se aliar à ala radical do PTB, liderada por Leonel Brizola. Um sinal dessa aliança é a nomeação, no início de dezembro, do almirante nacionalista Cândido Aragão para o comando dos Fuzileiros Navais, decisão que provocou um protesto público de 26 oficiais da Marinha.
A opção de Jango se consumou no comício em frente à Central do Brasil, no Rio, que reuniu 150 mil pessoas. Ao lado de Brizola, Jango proclamou a necessidade de mudar a Constituição e anunciou a adoção de dois decretos: a encampação das refinarias particulares de petróleo e a desapropriação das propriedades às margens de estradas e rodovias para reforma agrária.
A campanha contra Goulart recrudesceu, mas muitos militares ainda hesitavam em aderir aos rebeldes. A Revolta dos Marinheiros, em 25 de março, definiu a posição dos oficiais. Nesse dia, um grupo de marinheiros e fuzileiros navais, liderados pelo marinheiro José Anselmo dos Santos, compareceu a uma reunião no Sindicato dos Metalúrgicos, onde exigiram a revogação da ordem de prisão contra diretores da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, entidade considerada ilegal pelo ministro da Marinha, Sílvio Mota.
O ministro Sílvio Mota considerou o ato subversivo e mandou um contingente de 100 fuzileiros para prender os insubordinados. Entretanto, a maior parte dos fuzileiros aderiu à rebelião, com apoio do próprio comandante, o almirante Aragão. Mota demitiu-se. Em 26 de março, o novo ministro, almirante Paulo Mário, negociou com os revoltosos. No dia 27, sexta-feira santa, eles deixaram o sindicato, foram presos e algumas horas depois, libertados. Goulart assinou decreto anistiando os revoltosos.
A anistia revoltou os oficiais. No Clube Naval, um grupo de almirantes hasteou a bandeira a meio pau. Mais de duzentos oficiais lançaram manifesto responsabilizando o governo pela quebra da disciplina.
O estopim do golpe surgiu dia 30. Os sargentos e subtenentes da PM convidaram Goulart para a festa de aniversário da sua associação, no Automóvel Clube do Rio. Apesar das advertências para não ir, Goulart decidiu, na última hora, comparecer à solenidade. Os oficiais esperavam que o presidente condenasse a insubordinação nas Forças Armadas. Num discurso de improviso, porém, Jango solidarizou-se com as reivindicações dos policiais e elogiou os sargentos. Em Minas, ao ouvir o discurso, o general Olympio Mourão Filho concluiu que havia chegado a hora do levante.

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