São Paulo, domingo, 27 de março de 1994 |
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EUA não conspiraram, diz embaixador
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Ele recebeu a Folha em seu escritório para entrevista de três horas e meia no dia de uma das piores tempestades de neve e gelo deste inverno de Washington. Com 80 anos, chegou ao compromisso no horário marcado (11h), 90 minutos antes do correspondente. Continua a afirmar que nunca conspirou contra João Goulart e diz ter poucos erros a reconhecer daquela fase. O principal deles: os "US$ 5 ou 6 milhões" que o governo dos EUA deu a candidatos da UDN e outros partidos nas eleições parlamentares de 1962. "Aquilo não fez nenhuma diferença mesmo". Segundo ele, tentar influenciar com dinheiro eleições em outros países era um hábito da política externa norte-americana desde que isso foi feito na Itália no final dos anos 40. Gordon afirma ter recebido pedidos de apoio dos EUA a uma intervenção militar contra Jango, mas nunca dos verdadeiros golpistas, como Castello Branco. Ele citou os nomes de duas pessoas que o procuraram em busca de suporte: o almirante Silvio Heck e o jornalista Assis Chateaubriand. Afirma nunca ter se comprometido com ninguém. O ex-embaixador diz ter se reunido "muito mais vezes" com Goulart do que com Castello Branco. A relação entre os dois se desenvolveu em especial em outubro de 1962, durante a crise dos mísseis em Cuba. "Ele me pediu para ir vê-lo todas as tardes. Mostrava-se sempre muito interessado, concentrado. Apoiou a posição dos EUA na ONU e na OEA. Quando tudo terminou, ele me levou para a sua residência e me ofereceu um drinque. Eu brindei à paz mundial e ele respondeu: 'Que nada, vamos brindar à vitória ianque"'. Sua avaliação de Goulart é de "um homem esperto, que gostava de manipular as pessoas". Segundo Gordon, o então presidente brasileiro sempre o recebeu sozinho e jamais tomou notas das conversas que tinham. "Nunca achei que ele fosse comunista nem que alguma vez tivesse lido Marx. Ele me lembrava um chefão político americano, como o ex-prefeito de Chicago, Richard Daley", afirma.~ Mas Gordon diz que receava a possibilidade de Goulart se tornar ditador e ser sucedido por "um verdadeiro comunista", como ocorrera no Egito com Nasser. "Eu não sei quem seria o Nasser brasileiro" mas diz saber que "Darcy Ribeiro queria ser o Rasputin de Jango". O ex-embaixador acredita não ter sido enganado pela CIA, como seu colega em Santiago, Chile, dez anos depois, no golpe contra Salvador Allende. Gordon acha que o general Vernon Walters e todo o staff norte-americano no Rio eram leais a ele e que ninguém teve o papel de "conspirador ativo" no movimento de 1964. Para ele, em muitos momentos do governo Goulart, houve esperanças de um bom entendimento com os EUA: logo depois da visita de Jango a Washington, em 1962, quando ele recebeu a rara deferência de se dirigir ao Congresso e fez discurso (escrito por Roberto Campos) que foi muito bem aceito, durante a crise dos mísseis em Cuba e entre janeiro e julho de 1963, quando Celso Furtado e Santiago Dantas (com o auxílio do então diplomata Marcílio Marques Moreira) negociaram um acordo econômico com o FMI e Banco Mundial. A partir da saída de Furtado (autor de "História Econômica do Brasil", livro com o qual Gordon diz ter aprendido português) e San Thiago do governo, ele diz ter passado a duvidar das possibilidades de um desenlace favorável aos interesses dos EUA. Mesmo assim, alega que ajudou o Brasil a obter um reajuste de sua dívida externa via Clube de Paris e a fazer com que o governo dos EUA mantivessem programas de auxílio ao país. Nessa fase final, Gordon diz ter recebido informações sobre o estado de espírito de Goulart de Samuel Wainer e Jorge Serpa. Eles lhe diziam que Jango queria fazer as reformas "de qualquer jeito". Gordon achou que deveria dificultar esse objetivo do presidente brasileiro. Texto Anterior: Regime militar de 64 modernizou economia e esmagou liberdades Próximo Texto: Suicídio de Vargas adia movimento em 10 anos Índice |
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