São Paulo, terça-feira, 29 de março de 1994
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Escolha é saída de compromisso com FHC

JOSÉ ROBERTO CAMPOS
EDITOR DE ECONOMIA

Para dirigir uma economia às vésperas de uma mudança radical e de um turbulento período eleitoral, o presidente Itamar Franco voltou-se para alguém com um temperamento apropriado –o ex-embaixador Rubens Ricupero, que preparou-se durante anos, na adolescência, para ser monge beneditino. Paciente e obstinado, Ricupero aceitou provavelmente o maior desafio de sua bem sucedida carreira.
Dotes de monge e grande talento para negociação, acumulados em 35 anos de diplomacia, fizeram de Ricupero uma opção especial de Itamar no jogo da transição. O titular da Fazenda deveria ser alguém equidistante o suficiente do candidato Fernando Henrique Cardoso para impedir que o governo fosse acusado de manipulações descaradamente eleitorais ou de ser refém de um candidato. Mas também próximo o bastante da atual equipe econômica para dar continuidade ao plano.
Foi a segunda vez que Itamar buscou os serviços de Ricupero – paulistano, 57 anos, graduado em Direito pela USP, casado, quatro filhos– para comandar seu principal ministério. Antes que optasse por Gustavo Krause, em outubro de 92, sondou o então embaixador em Washington e recebeu uma resposta surpreendente para os padrões brasileiros –o convidado disse que não se sentia qualificado para o cargo.
Ricupero conhece e se relaciona bem com os principais membros da equipe econômica, a começar pelo próprio ex-ministro FHC, então chanceler, que o confirmou no posto mais estratégico da diplomacia brasileira –a embaixada na capital dos EUA.
Burocrata profissional e independente –passou com o prestígio intacto pelos governos Sarney, no qual foi assessor especial do presidente, e Collor– Ricupero mergulhou na política quando aceitou ser conselheiro da área internacional da assessoria pessoal do presidente José Sarney, de quem, diz, assistiu de perto "seu apogeu, glória e miséria". De sua passagem pelas antesalas do poder, de onde assistiu ao primeiro "choque heterodoxo" no país, o Plano Cruzado, concluiu: "A Presidência é fraca no Brasil, o poder é tacanho e nossas elites são socialmente irresponsáveis".
Chamado para pilotar a caótica economia interna, o ex-ministro da Amazônia e Meio-Ambiente tem pelo menos vastos conhecimentos do que se passa além das fronteiras nacionais. Em seu refúgio suíço, quando representava o Brasil junto ao Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), em Genebra, acompanhou o desmoronamento dos regimes comunistas e o novo e rápido reordenamento dos blocos econômicos.
Admirador de Gorbatchev, ex-primeiro ministro da URSS, Ricupero, na época, dizia: "O Brasil precisa de uma perestroika (abertura). A economia brasileira é muito mais semelhante à soviética que à britânica pré-Thatcher".
Sobre a economia nacional, pouco se sabe sobre seu pensamento além de idéias genéricas. Ele defende a abertura da economia, o crescimento com redução das desigualdades sociais e distribuição de renda, e a intensificação dos laços comerciais com os países da América Latina. Não é muito, mas o suficiente para que o ex-ministro e atual deputado Roberto Campos apontasse certa vez, entre os pequenos pecados de Ricupero, seus "desvios terceiromundistas".
Ricupero, entretanto, dá apoio total ao plano de estabilização de FHC. Em artigo recente na Folha anteviu sem querer o que talvez seja sua missão como ministro da Fazenda. "A política de estabilização constitui interesse comum de todos os setores e partidos. Inviabilizar o ajuste é correr o risco de precipitar expectativas capazes de complicar o processo eleitoral e de aprisionar e paralisar qualquer futuro governo só deixando a via destrutiva da hiperinflação para romper o impasse", escreveu.
"Em vez de arriscar o destino da nação na loteria de irracionalidade, partidos e candidatos devem entender-se com o governo em torno de um unico denominador comum de estabilizaçao", comentou. Pode ser um bom ponto de partida para alguém que precisará de todas suas habilidades para navegar em uma conjuntura infernal.

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