São Paulo, terça-feira, 29 de março de 1994
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Nem Lula, nem FHC, nem Quércia

Nem Lula, nem FHC, nem Quércia

LUÍS NASSIF

Nem Lula, nem FHC, nem Quércia, nem Maluf. A bem da verdade, nem esta história de jogar novamente no balaio das eleições presidenciais a esperança de saída para a crise.
Não é por aí. No fundo, todos representam, de uma maneira ou outra, versões novas ou velhas de um mesmo modelo político, de apropriação do Estado por forças políticas, sem dar espaço para o exercício pleno da cidadania.
Alguns deles representarão o aprofundamento agudo deste processo de espoliação. Outros, apenas uma renovação aparente que, dotando o modelo de alguma legitimidade, ajude a perpetuá-lo.
No plano pessoal, nem se coloque todos no mesmo balaio do oportunismo. Alguns irão se ruborizar, quando confrontados com tais práticas. Mas as aceitarão, constrangidos, em nome de velhos e consagrados princípios: a sobrevivência de seu grupo político, a perspectiva de tomada de poder –tudo tendo em vista a promoção do bem-estar nacional, é claro.
Os mais éticos tratarão de criar álibis que aliviem o fardo. É possível que acreditem mesmo que, cedendo no varejo, acumularão forças que permitam, mais à frente, mudar o modelo.
No meio do caminho, é certo, perderão a energia reformista. Concluirão que, como agora o Estado está nas mãos de pessoas tão patriotas e bem intencionadas –eles– não há mais a necessidade de mudanças. Pelo contrário, há que se fortalecer ainda mais o modelo, a fim de permitir a eles espalhar o bem e a verdade. E toca a nomear companheiros a mais companheiros, para ajudarem na grande missão.
Sobrevivência
As críticas serão interpretadas como um boicote às suas boas intenções. No começo, se apiedarão deles próprios, pela incompreensão de que são vítimas. Depois, ficarão enraivecidos. Se os adversários não entendem seus bons propósitos, então utilizarão as prerrogativas do poder como represália.
Gradativamente confundirão o interesse do país com sua própria sobrevivência pessoal. A cada dia que passar, menos nítidos ficarão os objetivos iniciais e mais obcecada ficará a luta pelo espaço político conquistado. Serão tratados como traidores todos os companheiros que, no meio do processo, questionarem os métodos adotados.
A cada passo nesta direção, mais se afastarão das bandeiras iniciais que permitiram sua eleição. Amargarão a impopularidade. No desespero recorrerão ao arsenal de manobras conhecidas. Tratarão de identificar inimigos externos, cada qual ao seu estilo –oligopólios? Especuladores? Agitadores?
O caminho civil
Pelo fato de o roteiro ser velho conhecido, é hora de mudar a ótica. As opções não estão entre os candidatos a presidente. Mas entre questionar decididamente este modelo político ou aderir a um jogo de aparências que não levará a nada.
O ponto central da história é que tem-se um nó institucional cuja solução está nas mãos dos próprios beneficiários do modelo e que só será solucionado quando sobreviver um impasse dentro da lei. A única maneira de resolver a questão será persistir diuturnamente na batalha da cidadania contra os poderosos de plantão, sejam eles Itamar, Quércia, FHC ou Lula.
Por isso, em vez de transformar as próximas eleições presidenciais em objeto preferencial de fantasias, haveria mais objetividade se a ânsia reformadora fosse canalizada para a bandeira da Constituinte exclusiva –composta por representantes da sociedade civil.
Deixem-se as eleições para os políticas e convoque-se uma nova Constituinte, onde os eleitos teriam a função exclusiva de votar uma nova carta constitucional –e voltar para seus afazeres normais.
Seria a única maneira de, dentro da ordem constitucional, romper com este impasse e definir regras de jogo que limitem a ação política e coloquem definitivamente o Estado a serviço da cidadania.
Outro remédio para tratar do descrédito atual das instituições é velho conhecido –e tem como símbolo a cor verde-oliva.
Políticos e políticos
Nas atuais eleições para reitor da Unicamp, confundido com funcionário, o respeitado professor Roberto Romano foi constrangido por grupos de funcionários a votar na chapa oficial, sob ameaça de ser denunciado a seu chefe.
Será que nem os centros incumbidos de incutir valores éticos na formação da juventude brasileira estão a salvo de práticas que emporcalham a vida política nacional?

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