São Paulo, terça-feira, 29 de março de 1994
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O acordo setorial automotivo está em risco

SILVANO VALENTINO

Nos últimos anos, por força da abertura da economia, muito tem se discutido sobre quais setores da nossa indústria terão capacidade de sobreviver num regime de integração global e maior competitividade. Em minha opinião, a indústria automobilística brasileira tem todas as condições para enfrentar com grande sucesso este desafio e, assim, continuar contribuindo com a geração de riquezas e empregos para este país. Esta convicção baseia-se em três fatos.
Em primeiro lugar, o Brasil conta com todos os recursos necessários para isto, como a disponibilidade de matéria-prima e energia, um parque produtivo de porte considerável e completo (incluindo o setor de autopeças), capacidade técnica e gerencial comprovada, uma mão-de-obra dotada de grande capacidade de aprendizado e flexibilidade e um mercado consumidor com um dos maiores potenciais de crescimento do mundo.
Em segundo lugar, a indústria automobilística brasileira tem provado que é capaz de competir de igual para igual com os demais centros produtores pois, apesar das enormes instabilidades macroeconômicas atuais, temos mantido volumes expressivos de exportação de veículos automotivos, estamos atualizando tecnologias e produtos e, em breve, será renovada toda a gama de produtos ofertados aos consumidores.
Mas, o grande salto de qualidade, que torna factível acreditar no sucesso da indústria automobilística brasileira, foi o fato de todos nós –empresários, sindicalistas e governo– termos sido capazes de traçar o primeiro esboço de uma política industrial coerente para o nosso setor, através dos acordos da câmara setorial automotiva, que alavancaram um grande empuxo nas vendas, graças à redução da carga tributária e das margens da cadeia de produção e comercialização.
Recordo-me que, na época dos acordos, alguns críticos chegaram a estimar perdas catastróficas para a arrecadação tributária. Hoje, os resultados são irrefutáveis. Em 1993, as vendas de veículos automotivos ao mercado interno cresceram 43,4% sobre o ano anterior, o aumento da produção foi de 29,5%, o nível de emprego cresceu (só a Fiat Automóveis, por exemplo, ampliou os seus quadros em cerca de 2.400 funcionários ao longo de 1993) e a arrecadação tributária global, incluindo os tributos federais e estaduais, também se expandiu, apesar da redução das alíquotas.
Mas, além destes resultados magníficos, um fenômeno muito mais importante foi gestado ao longo das negociações da câmara setorial. Ali, pela primeira vez na história do nosso país, se forjou um pacto cooperativo entre empresas, trabalhadores, governo e, também, com os próprios consumidores, estes, aliás, foram os grandes beneficiados. Ou seja, a câmara setorial automotiva inaugurou, no Brasil, a era da formulação de estratégias cooperativas entre os agentes econômicos e sociais, única forma de um país progredir de maneira sustentada no mundo de hoje, como prova a trajetória recente dos tigres asiáticos.
Em suma, os acordos apontaram um caminho possível de retomada do desenvolvimento para o país como um todo, independente do segmento econômico ou região. Prova disso, é que os efeitos diretos e indiretos da expansão da indústria automobilística, contribuíram com um crescimento de 1,5% do PIB em 1993.
Não podemos jogar fora esta experiência e perder as oportunidades que ela abre ao país, apenas porque alguns poucos não entendem ou não querem entender os benefícios gerados para todos.
E, neste momento, é preciso que se diga –em alto e bom som– que todos estes benefícios conquistados até aqui estão correndo sério risco, pois o Confaz, órgão que reúne os secretários da Fazenda de todos os Estados, deliberou, no ano passado, a elevação do ICMS sobre os automóveis dos atuais 12% para 18%.
De lá para cá, a quase totalidade dos governadores já entendeu que este caminho significa um retrocesso, ou a própria estagnação do setor. Pois o aumento dos preços resultante da elevação do ICMS irá prejudicar fortemente as vendas e, por consequência, todos os projetos de investimento em novas tecnologias e ampliação de capacidade.
Creio firmemente que é hora de mobilizarmos as consciências para a defesa do acordo setorial automotivo, até por que, além dos evidentes benefícios gerados, trata-se de um acordo genuinamente democrático, resultado de uma negociação franca e transparente, um exemplo que vai de encontro às mais profundas aspirações da nossa sociedade: retomar o desenvolvimento econômico e promover melhores condições de vida à nossa população.

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