São Paulo, terça-feira, 29 de março de 1994
Texto Anterior | Índice

Lembrar para não esquecer

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO – É extremamente importante que novos detalhes –históricos, pitorescos, ridículos alguns– sobre o movimento militar de 31 de março de 1964 venham à tona. Assim como é preciso lembrar o que foram os anos de regime militar. No mínimo para que não se perca na poeira do tempo a escuridão sob a qual fomos obrigados a viver.
Saber que o presidente que seria deposto estava "doidão" –tomara estimulantes com uísque– quando fez o inflamado discurso para a plebe militar em 30 de março é hilariante, hoje. Assim como é compreensível descobrir que muitas mágoas se esvaíram, embora as feridas dos torturados permaneçam na forma de cicatrizes ou na lembrança dos amigos que os perderam.
Eu pertenço à geração –nasci em 1955– que viveu desesperadamente o vácuo cultural e o sufoco político imposto pelo regime nos anos 70. Pensar, quando comecei a perceber claramente o que significava isso, era um perigo muito grande, quando não proibido mesmo.
Quanto medo, quanto cuidado, quanto sentimento de liberdade reprimido, quanta necessidade de encontrar a identidade do meu próprio país e a minha mesma...
Não, não pode, dizia uma espécie de "grande irmão" quase sempre invisível –como na vez em que cortou a energia elétrica de toda a Cidade Universitária de São Paulo só para impedir uma sessão clandestina do filme "Encouraçado Potenkin", de Eisenstein (1898-1948). Outras vezes ele era bem concreto e real. Quando, por exemplo, assumia a forma dos cassetetes e bombas da polícia repressora. Lembra-se, coronel Erasmo Dias?
Será revanchismo ficar revolvendo essas coisas? Creio que não. O sentimento que me assalta –no meu caso particular– é certamente bem mais brando do que os dos professores sequestrados e torturados. Claro, daqueles que sobreviveram. Não é o que sentem os pais que perderam filhos nem os filhos que perderam os pais.
Mas é preciso que se diga que foi em nome de uma ideologia que não era a minha e a título de combater idéias que também não saíam da minha cabeça que eles –os militares– me relegaram por anos à escuridão, ao medo e ao atraso.
A história os julgará melhor que eu. Mas eis, com o risco da arrogância, o meu veredicto: culpados.

Texto Anterior: PLANO NINGUÉM; PREÇO DA LIBERDADE; NOVAS REGRAS DA F-1
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.