São Paulo, quarta-feira, 30 de março de 1994
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Esfinge

"Some praise at morning what they blame at night, / But always think the last opinion right"
Alexander Pope

Os versos do poeta inglês descrevem com bastante precisão a inconstância e a volubilidade, que já foram marca do governo Itamar Franco. E agora, neste momento peculiar da conjuntura política brasileira, ensejam alguma reflexão.
De fato, desde o episódio envolvendo a modelo Lílian Ramos no último Carnaval, o presidente e alguns de seus amigos de Juiz de Fora que também participaram dos folguedos davam a impressão de caminhar na defensiva. Contudo, após o surgimento da crise entre os Poderes da República, o presidente parece vir conseguindo acumular mais vitórias que derrotas, o que lhe dá um saldo político positivo.
É inegável que os ganhos salariais que o Supremo e o Legislativo acabaram se concedendo causaram bastante revolta na população, que jamais goza de benefícios semelhantes. E Itamar Franco, por ter mantido inicialmente uma posição dura contra essas vantagens, certamente ganhou alguns pontos.
Não se pode tampouco questionar que a posterior obstinação do presidente em não negociar, quando todas as perspectivas estavam a seu lado e lhe bastava apenas salvar a face dos outros Poderes, custou-lhe um pouco do prestígio obtido. Entretanto, com a decisão de anteontem do STF –motivada até por razões técnicas– de mandar depositar em juízo a diferença dos salários dos funcionários do Legislativo, o quadro volta a favorecer Itamar. A liminar do Supremo abre espaço para novas negociações e, agora, acredita-se, Itamar vai dialogar. Isso poderá garantir-lhe o que se pode chamar de vitória na crise.
O presidente também reafirmou sua autoridade na sucessão do ministro da Fazenda. A virtual indicação de Rubens Ricupero para o posto, embora não desagrade a Fernando Henrique e à sua equipe, não é a inicialmente pretendida por eles, que preferiam um nome oriundo da própria equipe. Foi uma forma de Itamar Franco sinalizar que quem manda é ele.
Diante dessas mostras até inesperadas de desenvoltura política do presidente, é difícil não se perguntar até que ponto ele irá. Ou seja, resta saber se Itamar Franco vai-se contentar em exercer a sua autoridade, o que é um direito –e até um dever– seu, ou se irá além, a ponto de reassumir o comportamento errático e inconstante que o levou a tantas estranhas atitudes no passado. A lógica indica que o presidente não pode ser contrário ao plano econômico que ele mesmo aprovou. Mas há dúvidas.

* Tradução: "Uns louvam de manhã o que censuram à noite, / E sempre acham certa a sua última opinião".

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