São Paulo, sábado, 2 de abril de 1994
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O verdadeiro Ayrton Senna é uma praga

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Não passa de mito o bom-mocismo de Ayrton Senna. Fruto do imaginário popular, essa suposta veia altruista do piloto brasileiro não tem relação com a verdade. Sua derrota no GP do Brasil foi uma espécie de castigo para sua desmedida voracidade por destruir adversários sem se importar com os meios.
Quando a Willians pilotada pelo brasileiro rodou na pista de Interlagos, um fato de quatro anos atrás me veio à memória para ilustrar o caráter desse adorado piloto de Fórmula 1. O cenário era a bucólica Suzuka, no sul do Japão, onde é disputado o GP daquele país. O ano era 1990. Para Senna sagrar-se campeão por antecipação, bastava que o francês Alain Prost não pontuasse. Antes da corrida, esse era o assunto que dominava as rodinhas de jornalistas e pilotos nos boxes.
Ninguém ousava perguntar para sua majestade Senna se ele considerava a possibilidade de forçar a saída de Prost da prova. Mas era exatamente isso que o brasileiro queria.
Para complicar, o circuito de Suzuka tinha uma peculiaridade: era melhor sair em segundo do que em primeiro: o lado da pista onde ficava o pole position era menos emborrachado que o do segundo colocado no grid de largada. Burramente, Senna conquistou a pole e Prost ficou em segundo. O francês teria muito mais arranque na hora de largar. De uma maneira estúpida, fazendo pressão nos bastidores, o brasileiro tentou inverter o lado da saída. Não deu certo, é claro. Prost também não é flor que se cheire. Era quase certo que o brasileiro perderia a dianteira logo na primeira curva. E ele não estava disposto a isso.
Pouco antes da largada, um repórter perguntou diretamente a Senna sobre seus planos. "Você considera a possibilidade de um acidente para tirar Prost do GP?", foi a pergunta. O piloto brasileiro se irritou e disse que não responderia. Diante da insistência do repórter, Senna ameaçou agredi-lo. O jornalista, impassível, repetiu a pergunta. Chegou a turma do deixa-disso e não houve briga.
Para quem acompanha Fórmula 1, o final dessa história é conhecido. Segundos depois da largada do GP do Japão em 1990, Senna forçou uma ultrapassagem sobre Prost na primeira curva. Não deu. Bateram. Os dois pilotos ficaram fora da corrida. E Senna foi campeão.
Esse é o Ayrton Senna verdadeiro. Uma praga quando quer conquistar alguma coisa. No Brasil, ele rodou sozinho. Sorte de Michael Schumacher, que não estava por perto.
Os adversários que se cuidem.
Futebol
A histeria em torno da escalação da seleção brasileira de futebol acabou relegando a segundo plano uma discussão mais importante: a falta de calendário. O assunto é chato, quase insuportável, mas fundamental para que o país volte a ser vencedor em nível internacional com sua seleção, um time perdedor desde 1970.
Por causa do calendário destrambelhado da CBF, é virtualmente impossível dizer no momento se jogadores como Edmundo e Palhinha devem ou não ser convocados. Os dois passam por uma má fase profunda. Submetidos à maratona de jogos em seus clubes, alternam duas situações: 1) ficam fora da partida porque estão machucados ou 2) jogam mal. Quem já viu esses dois jogadores atuando sabe que fazem parte da constelação de primeira grandeza do futebol brasileiro.
O ano está passando e ninguém da CBF fala no assunto. Tudo bem que a Copa do Mundo esteja aí. Pelo jeito é preciso mais um fracasso para que os dirigentes do futebol dêem mais atenção para o planejamento do esporte.

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