São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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O burlesco e o Berlusconi

RICARDO SEMLER

Semana de profunda tristeza. Maluf se ferrou (e aos paulistanos) sendo forçado a ficar na prefeitura. Alguém mais perceptivo o convenceu de que ele não paga placê em disputa maior do que síndico de prédio e, mesmo assim, na condição de que não mude o nome do prédio para Edíficio Silvia Maluf. Pena, pena. Vamos ter de aturar espertezas raposeantes do tipo inauguração de anel viário que não funciona, e túnel de baixa prioridade que só anda numa mão porque precisou ser inaugurado em tempo de lançar a candidatura, ora naufragada. Sobrou o ACM que, como de hábito, fez que fez na Rede Globo, ameaçou sair candidato, cacifar o filhote (neto da ditadura), divulgar bombásticos dossiês, e acabou com o rabo entre as pernas, sem chance de nada. Só conseguiu foi soltar alguns ladrões, que o Nilo chamou de "colegas" do governador.
Ficar chutando cachorro morto é feio, por isso passarei do burlesco para o Berlusconi. Sim, porque este Roberto Marinho italiano conseguiu abusar do seu poder no ramo das comunicações para assegurar-se um posto de comando na combalida Itália. Marinho nunca se interessou e nem teve qualidades para ser candidato ele próprio, portanto sempre escolheu generais, Collores e ACMs para representar a direita nas eleições via telejornalismo. A diferença fica por conta do fascismo. Lá, chama-se neo, como na Alemanha os jovens nazistas são também neo. A diferença entre novos e velhos fascistas não chega nem ao patamar da pura semântica, como ficou claro nas manifestações de rua em que os jovens italianos urravam "Duce, Duce", e elegiam a neta do grande criminoso deputada em Nápoles (e não apenas por seus belos olhos, ou coxas, sei lá eu). De qualquer jeito pouco importa, porque os italianos são tão confusos que têm eleito um governo completamente novo a cada ano, nos últimos 50.
A direita italiana e a brasileira são idênticas, apenas os dois países passam por uma fase desconcatenada de timing político. Lá, a varredura contra a corrupção foi mais ou menos eficaz, tendo-se eliminado parte dos abertamente desonestos. Imaginar que a direita que ora assume o poder é séria faz um escánio da história, que desde priscas eras concentrou as grandes sacanagens nas mãos dos conservadores. Aí terá coisa, é certo. Aqui, a direita, originadora da desonestidade estrutural, vai ter que descansar um pouco no banco. Não dos réus, infelizmente, já que uma parte da justiça ainda se compra. Festejou-se a atuação do Passarinho na CPI dos anões, que se mostrou um jogo pra platéia e um fracasso retumbante. A corrupção continua inalterada, apenas a caça foi afugentada, e os gaviões do roubo estão agindo com mais cautela e com menos conta corrente de secretária. Nada mais. Os percentuais continuam, os empreiteiros morrem de dar risada, a Odebrecht faz anúncio proclamando sua competência e suas novas obras.
Nossos neofascistas são envergonhados, e não assumem. Ficam ouriçados com rumores de golpe e promovem bandidos na TV, mas não têm peito para mais. Assim, ficarão no escanteio enquanto as várias versões de centro-esquerda se engalfinham nestas eleições. Melhor para o Brasil. Vai ser uma boa campanha, os candidatos restantes sobem o nível um pouco, e bola pra frente. Os neofascistas brasileiros vão ter que ficar quietinhos. Sorry periferia e cachorros mortos, que tal umas férias na Lombardia?

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