São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994
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Direita, para quê?

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – O Brasil eleitoral de 94 está decididamente na contramão do resto do mundo. Enquanto a grande maioria dos demais países vai para a direita, em marcha batida, o Brasil não tem, para o pleito presidencial de outubro, um único candidato realmente viável que possa receber o carimbo de "direita", assim a seco.
Lula não é de direita, como é óbvio. Fernando Henrique Cardoso, também não, por mais que as alianças que anda caçando possam, mais adiante, colocá-lo como tal. De Brizola, nem é preciso dizer nada.
Orestes Quércia pode ser acusado de tudo, menos de direitista, conservador ou liberal. Aliás, é o único que tem a coragem (ou a cara-de-pau, dirão alguns) de afirmar que o governo tem mesmo que ter déficit, posto que não é uma entidade com fins lucrativos (pelo menos não para os cofres do próprio Estado).
Até José Sarney, se vier a ser o candidato peemedebista, com o que seria o mais à direita no quadro atual, não tem um rótulo assim tão nítido. Basta, aliás, que se leia o artigo do ex-presidente na Folha de sexta-feira. Ousa até mexer com um tótem do conservadorismo, as privatizações, ao afirmar: "As privatizações não andam tão bem, em todo lugar, como se prega."
Ao contrário, portanto, do que ocorreu em 1989, a direita parece ausente do pleito de 94. Cinco anos atrás, ela estava muito caracterizadamente representada por Paulo Maluf, Guilherme Afif Domingos e Fernando Collor de Mello, por mais que a retórica deste último fosse aquela enganação populista em torno dos "descamisados" e dos pecados da elite.
É um fenômeno curioso em um país governado pela direita desde que a memória alcança. Só encontro uma explicação para esse exotismo político-eleitoral: má consciência. Justa ou injustamente, associa-se direita a conservadorismo e, por extensão, a manutenção do status quo. Como o status quo é obsceno, indecente, ninguém quer vestir a camisa da sua preservação.
Pena que, depois das eleições, o pessoal tenha o mau hábito de arquivar a má consciência, pelo menos até a campanha seguinte. E o status quo permanece imutável. Para que direita, então?

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