São Paulo, segunda-feira, 4 de abril de 1994
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Seguros - quatro razões para pessimismo

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Seguros –quatro razões para pessimismo
Mais que nunca, é hora de o segurado prestar atenção com quem ele contrata suas apólices
É certo que, com a retomada do crescimento nacional, a atividade seguradora apresentará uma das maiores taxas de desenvolvimento da história do Brasil. A explicação para isto é simples e tem três bases sólidas.
A primeira é que a crise crônica que aflige o país há mais de dez anos mudou a forma como o brasileiro vê o seguro, fazendo que a noção de despesa para cumprir a lei fosse substituída pelo conceito de proteção do patrimônio e da vida e que resultou no aumento expressivo da carteira de automóveis e na explosão dos seguros saúde.
A segunda é que a ruptura da previdência pública, com a falência do INSS, vai obrigatoriamente desaguar na iniciativa privada, representada pelas seguradoras, que deverão receber uma parte grande do atendimento médico-hospitalar e, principalmente, da previdência social, através dos planos de previdência privada, que atuarão como complementadores das aposentadorias mínimas garantidas pelo governo.
A terceira é a abertura do mercado segurador brasileiro para o mundo, com o fim do monopólio do Instituto de Resseguros do Brasil, que, aliás, só existe mesmo para o mercado, já que as discussões sobre o tema dentro da revisão constitucional nunca se lembraram de incluí-lo, pela simples razão dele não existir, desde a promulgação da Constituição de 88.
O número que deverá surgir da soma destes três fatores é bastante impressionante: US$ 15 bilhões! É mais impressionante ainda se levarmos em conta que hoje o faturamento total do setor mal e mal alcança US$ 5 bilhões por ano.
Com este pulo a atividade seguradora brasileira, que já ocupa disparada a primeira posição no mercado latino-americano, deverá, por seu poder de fogo em relação aos outros participantes, crescer mais ainda, não sendo difícil no final do século o Brasil ocupar o primeiro lugar no ranking de seguros dos países abaixo do Equador.
Mas se o futuro é risonho, o presente apresenta nuvens negras bastante carregadas e suficientes para fazer com que vários participantes do hoje estagnado mercado sucumbam antes de verem os dias de glória chegarem. E vão quebrar porque em especial ao longo dos últimos dois anos, o mercado entrou numa guerra suicida, baseada nos astronômicos ganhos financeiros permitidos pelo governo, e que no entanto já não são suficientes para encobrirem os gigantescos prejuízos, camuflados por uma série de mágicas contábeis facilmente mensuráveis pela soma das despesas com sinistros, administrativas e comerciais, em relação ao faturamento. A sério, apenas duas seguradoras de porte tiveram esta conta com resultado positivo.
Partindo da ordem estabelecida pelo decreto-lei 73/66, que é a lei que regulamenta o sistema nacional de seguros privados, eu gostaria de elencar quatro grupos de razões para explicar para o leitor leigo na matéria por que é hora dele ter muito cuidado ao contratar os seus seguros.
Sei que a explicação não vai me fazer a pessoa mais querida por uma série de amigos que falam segurês, mas se nós queremos alcançar o futuro é indispensável que tenhamos a coragem de encarar os problemas de frente e que passemos a implementar soluções.
O primeiro problema sério encontra-se na Superintendência de Seguros Privados, que é a autarquia responsável pela regulamentação e pela fiscalização da atividade seguradora nacional.
Muito embora ela tenha atualmente no seu comando um homem capaz e que conhece todos os lados do mercado, foi de tal forma sucateada durante o governo Collor e os primeiros dez meses do governo Itamar que, se precisasse fazer uma intervenção numa companhia de seguros, teria dificuldades para arranjar o interventor.
A Susep está completamente desaparelhada para exercer qualquer de suas responsabilidades. Em um mercado operando no vermelho pode ser muito perigoso. No mês, passado ela regulamentou a carteira de automóveis. Foi uma atuação brilhante, que deve começar a devolver-lhe o controle do setor, mas os seus frutos demorarão para surgir e, se o governo não liberar verbas para a sua total reformulação, o simples controle da maior carteira será insuficiente para garantir a saúde das seguradoras.
O segundo grande bloco de dificuldades está no Instituto de Resseguros do Brasil. Empresa monopolista do resseguro nacional, o IRB, apesar de ter em seus quadros funcionários da maior competência, perdeu muito da sua capacidade e foi deixado para trás, especialmente pelas companhias com limites técnicos maiores, que só recorrem a ele para colocar os seus riscos ruins, assumindo a totalidade dos riscos bons.
Mais grave do que isto, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) tem um rombo que ninguém sabe de quanto é, tendo gente que chega a falar de centenas de milhões de dólares, e que não lhe facilita as coisas. Finalmente, o monopólio do resseguro desde 1988 não existe e ninguém sabe direito como lidar com isto, e o Instituto, que deveria sair na frente, porque nenhuma outra empresa conseguiria operar em resseguros em prazo inferior a um ano.
O IRB hesita e se agarra com unhas e dentes a um conceito que não o levará a nada, mas que a cada dia que passa é uma ameaça concreta à sua condição de maior ressegurador da América do Sul. Ou o IRB muda, desde a sua forma jurídica que não existe na lei brasileira, ou acaba. E isto é ruim.
Com relação às companhias de seguros, como eu já disse atrás, o problema principal está na guerra de preços começada há mais ou menos dez anos passados e que se acelerou sobremaneira nos últimos dois anos. A consequência tem sido um prejuízo operacional que este ano deve rondar a casa dos US$ 400 milhões, o que é muita coisa.
É preciso se dizer que, no final do ano passado, as mais lúcidas se reuniram para tentar resolver a altíssima sinistralidade da carteira de automóveis, que é o bicho papão de seus balanços. Só que entre o projeto e a ação passou muito tempo e com o plano FHC elas serão obrigadas a amargar mais prejuízos, já que não poderão aumentar os seus preços agora, e algumas –ainda uma minoria– não terão como aguentar.
Finalmente, os corretores de seguros, que são a ponta de venda de todo o sistema. Aqui também os problemas não são poucos e começam com uma briga ridícula e sem sentido entre as pseudolideranças da classe, que de verdade não representam mil corretores, num universo com mais de 30 mil profissionais habilitados, mas que insistem em desfilar fantasiados de pavões e em fazer pressão para a manutenção de um monopólio sem sentido no tempo e no espaço, através da votação de um projeto de lei que é um desastre para a imagem de uma categoria profissional que vem se afirmando pelo trabalho e não pela atuação dos tais líderes.
Esperando ter deixado claro que o futuro da atividade seguradora pode ser brilhante, volto a insistir, pelo exposto neste artigo, que mais do que nunca é hora de o segurado prestar atenção com quem ele contrata as suas apólices, sob o risco de quando precisar, não receber.

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