São Paulo, segunda-feira, 4 de abril de 1994
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Mistério do sexo ronda a natureza do homem

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para a ciência, um dos maiores mistérios é o que acionou o Big Bang, transformando o enorme vazio num conglomerado de astros e até em vida. Foi Deus quem fez você? Num estalar de dedos, num ataque de mau humor? Para ter com que se ocupar? Por tédio ou solidão? "Estou cansado, vou criar o Universo." Universo não dorme, não tem dia, noite, ano, aniversários. É triste, como um cão velho, cego, silencioso, que parece vagar sem rumo.
A existência de algumas injustiças é o ponto de partida para se duvidar da existência de Deus. Lembro-me da perplexidade em que ficou minha classe de biologia quando a professora classificou a reprodução em sexuada e assexuada. Por muitos dias, tivemos pena de plantas, células e outras espécies assexuadas que, como condenadas, por castigo ou desleixo do Criador, nunca sentiriam o prazer de uma trepada.
Andávamos pelo pátio do colégio sempre felizes. Mas ao olharmos os canteiros, e repararmos nas flores imóveis no seu imenso vazio erótico, caía uma nuvem preta, e voltávamos para as aulas em silêncio. Da janela da sala, olhando com compaixão o jardim, agradecíamos por não termos nascido uma merda de um vegetal ereto, preso ao chão, cercado por sedutoras florezinhas, sem poder tocá-las, e jorrando pólens, pólens, para "fazer nenê"; que horror de vida...
Tormenta ou terremoto seriam as únicas possibilidades de eu, planta, me encontar com o corpo de minha amada. Mas só em desenho de Walt Disney eles se abraçam e se amam. Um ventinho, e lá vou eu, me inclinando, me inclinando, e ela está há alguns palmos, de braços abertos, toda florida e perfumada, cheia de vida e amor para dar.
Mas o vento pára, e volto para o meu lugar. Não existe maior crueldade. E quando nasce uma florzinha toda colorida, logo à minha esquerda, vejo-a crescer, ganhar forma, e desabrochar. Fico imóvel, jorrando os malditos pólens. Ela germina, e vai caindo, sem ninguém para ampará-la, e morre.
Penso. Deus, se existe mesmo, foi gentil com homens e mulheres quando criou com zonas erógenas, opções sexuais, variações métricas e diversas possiblidades de prazer. Mas um segundo mistério ronda a natureza humana: quando uma mulher quer dar, e quando está só seduzindo?

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