São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
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"O Fugitivo" expõe a inteligência em movimento

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: O Fugitivo
Produção: EUA, 1993
Direção: Andrew Davis
Elenco: Harrison Ford, Tommy Lee Jones, Jeroen Kabble
Distribuição: Warner

A idéia tinha tudo para ser preguiçosa: retomar as aventuras do velho dr. Richard Kimble, que tinham feito sucesso como série de TV no tempo dos dinossauros (a partir de 1963) podia ser uma empreitada apenas nostálgica.
O resultado, porém, vai em outra direção. Na história do médico perseguido pelo assassinato da própria mulher pode-se ver tudo, menos preguiça.
Andrew Davis, diretor que ficou conhecido por sua parceria com o ator Steven Seagal ("A Força em Alerta", "Nico, Acima da Lei") criou um filme de ação contínua, mas na linha da velha escola hollywoodiana, em que a aventura é comandada pelo raciocínio.
É como uma partida de xadrez. Após ser condenado, Kimble (Harrison Ford) trata de fugir e, ao mesmo tempo, buscar provas de sua inocência. Quem fica no seu pé é o agente federal Sam Gerard (Tommy Lee Jones).
Kimble, pela sua situação, parece saído de um filme de Hitchcock, onde com frequência os falsos culpados eram obrigados a esse movimento duplo, que consiste em, ao mesmo tempo, fugir e perseguir o verdadeiro criminoso.
Gerard é um profissional dos pés à cabeça. Tem uma missão a realizar e mostra-se disposto a ir até o inferno, se necessário, para prender o fugitivo.
O jogo se estabelece entre os dois, a quem não falta inteligência, embora um terceiro personagem, o dr. Charles Nichols (Jeroen Krabble), amigo de Kimble, participe dele ativamente.
Esse duelo de intelectos deve muito à atuação generosa de Harrison Ford. Aqui, seu papel é, em grande parte, abrir caminho para o brilho de Jones (que ganhou o Oscar de melhor ator coadjuvante).
E Jones, na pele de Gerard, não nega fogo. Domina os acontecimentos e impõe sua presença como centro da ação. É a ele que cabe executar a difícil travessia entre o ato mecânico –perseguir Kimble obstinadamente– e a compreensão dos acontecimentos.
Para Gerard, o problema é transcender os limites da aparência em que se move, admitir que a realidade não é uma instituição estática, mudar sua percepção das coisas. Esse o papel a que Jones entrega-se de maneira magnífica.
É em grande parte graças à sua presença que Andrew Davis conduz com leveza este filme, em que a ação não se confunde com uma movimentação inútil, incapaz de levar a parte alguma.
Pode-se dizer, por fim, em defesa de "O Fugitivo", que sua visão em vídeo é bem menos interessante do que em cinema. É a prova final de que os planos construídos com inúmeros elementos não têm um efeito apenas decorativo, e de que os planos curtos, rápidos, não significam burocracia, mas necessidade de adequar a velocidade da ação à das inteligências em jogo. "O Fugitivo" é um filme de cinema: não é pouco.

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