São Paulo, quarta-feira, 6 de abril de 1994
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Domar o bicho

A chamada "lista do bicho", o livro de caixa em que a contravenção carioca registrava supostas propinas para policiais, políticos, promotores e jornalistas mostra, de uma vez por todas, que o jogo-do-bicho é muito mais do que uma ilegalidade cotidiana menor.
A "lista" dá indícios de que as pobres e pequenas bancas de apostas, espalhadas por milhares de esquinas do país, escondem uma caixa-preta que aparentemente financia uma rede de crimes gravíssimos.
É verdade que até agora a Justiça se pronunciou apenas sobre o crime de formação de quadrilha, pelo qual foram condenados 14 bicheiros. No entanto, o número de ligações pantanosas sugeridas na "lista" exige apuração. Levanta também a necessidade de discutir o estatuto legal desse tipo de jogo.
Já é mais do que um clichê apontar a hipocrisia nacional em relação ao tema. A loteria de números é disseminada no país e é bancada por instituições tão diversas como governos, redes de televisão e clubes esportivos, entre outras. Inexplicavelmente, o mais público dos negócios ilícitos, o jogo-do-bicho, permanece à margem da lei.
Os contraventores movimentam milhões de dólares. Sobre esse dinheiro não é possível haver fiscalização nem recaem impostos –recaem apenas fundadas suspeitas de que custeie a corrupção e também o tráfico de drogas.
A investigação da lista deveria obrigar os empresários do bicho a abrir suas contas e mostrar o destino que deram ao dinheiro das apostas. A legalização, por sua vez, permitiria ao poder público o controle sobre este tipo de negócio.
Até agora, a prisão dos bicheiros tem tido, no máximo, efeitos semelhantes aos do extermínio de pequenos chefes do tráfico nos morros cariocas –acarreta apenas mudanças nos postos de gerência. Sempre há herdeiros para os pontos de jogo e de venda de drogas. A cadeia vai segurar apenas os circunstanciais controladores desse dinheiro de circulação mais do que duvidosa. É preciso rastreá-lo desde a caixa-preta de onde sai. Legalizar o jogo ajudaria a execução da tarefa.

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