São Paulo, sexta-feira, 8 de abril de 1994
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Militares bloquearam os bens de Quércia

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro cartórios de registro de imóveis da cidade de São Paulo atestam em certidões públicas juramentadas que o ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP) teve seus bens bloqueados em abril de 1977, em consequência de inquérito militar do governo Geisel que investigou seu enriquecimento.
As certidões contestam a versão sustentada por Quércia nos últimos 17 anos, de que o inquérito foi arquivado pelos militares, sem nenhuma punição, por inexistência de irregularidades.
Nos 6º, 9º e 15º cartórios, as certidões afirmam que os bens de Quércia permanecem indisponíveis até hoje. Segundo esses documentos, o ex-governador estaria impedido de vender ou doar imóveis registrados em seu nome.
No 18º Cartório, a informação oficial é de que Quércia se livrou do bloqueio em novembro de 79, com o decreto do então presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985) que liberou os bens de todas as pessoas investigadas pelos militares, na época, por suspeita de enriquecimento ilícito no exercício de função pública.
As certidões obtidas pela Folha são fornecidas a qualquer interessado. Elas constituem o único documento público sobre o inquérito realizado pela CGI (Comissão Geral de Investigações) contra Quércia e o bloqueio de seus bens, durante seu mandato de senador da República pelo então MDB (1975-1982).
Na quarta-feira à noite, em entrevista à Folha, por telefone, Quércia disse que as certidões dos cartórios "são um equívoco". O ex-governador reafirmou que seu inquérito foi arquivado pela própria CGI e negou que tenha sido beneficiado pela anistia geral concedida por Figueiredo.
A CGI foi criada em 1968, no governo Costa e Silva (1967-1969) e extinta 10 anos depois pelo presidente Ernesto Geisel (1974-1979). Os processos eram sigilosos e, com o fim da CGI, ficaram sob a guarda do Conselho de Segurança Nacional, também extinto.
O general da reserva Luiz Sellmann, 81, que como vice-presidente da CGI comandou o órgão de 74 até sua extinção, disse que a comissão investigou as declarações de Imposto de Renda de Quércia de 1964 a 73.
Segundo ele, a conclusão das investigações foi que o rendimento declarado por Quércia era insuficiente para justificar o crescimento de seu patrimônio.
"As declarações de Imposto de Renda do então senador o incriminaram e determinei o bloqueio de seus bens. Nós calculamos um imposto sobre a renda que não foi declarada e ele pagou sem reclamar", disse o general.
Quércia contesta Sellmann. Diz que não sofreu nenhuma autuação e que o inquérito militar foi uma "excrescência". Segundo ele, a CGI bloqueou "por engano" os seus bens, mas cancelou a ordem cinco dias depois.
Nas entrevistas que ambos concederam à Folha só há um ponto coincidente: o general confirma que a CGI cometeu, de fato, um erro. A falha teria sido o bloqueio de um número maior de bens do que o necessário para garantir o pagamento do imposto cobrado.
Ele diz que mandou desbloquear apenas os imóveis que excediam a garantia de pagamento do imposto, mas outros bens continuaram indisponíveis até o decreto de anistia de Figueiredo. A certidão expedida pelo 18º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo confirma a versão do general.
O documento diz que em 19 de abril de 77, aquele cartório recebeu ofícios da 1ª Vara de Registros Públicos comunicando que, por ordem do vice-presidente da CGI estavam bloqueados a partir daquele dia uma fazenda de Messias Nogueira Andrade, ex-prefeito de Itanhomi (MG) e dois conjuntos de salas comerciais de Quércia, localizadas no 8º andar do edifício Tabatinga, em Campinas (SP).
Na Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, que expede as ordens de bloqueio e desbloqueio de bens para os cartórios, os documentos oriundos da CGI eram mantidos em sigilo, à parte dos demais processos.
Os ofícios relativos ao inquérito sobre Quércia, que levou o número 131/77, foram incinerados junto com outros documentos antigos, segundo informação dos funcionários da Corregedoria.

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