São Paulo, sábado, 9 de abril de 1994
Texto Anterior | Índice

A caixa de Pandora

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Tinha de ser no Rio: uma onda de insânia varre a cidade, estamos estremunhados pelas emoções, devastados pelas suspeitas. Mais uma semana como essa e decido emigrar para o Brasil. Sacudirei o pó de minhas sandálias contra a cidade onde nasci e esperava morrer. Tudo tem limite, menos a minha ignorância, que cada vez é mais vasta.
Por exemplo: eu pensava que em outros Estados também houvesse bicho, drogas, armas (invariavelmente de uso exclusivo das Forças Armadas), sequestros, fornicações, adultérios, corrupção. Ledo e ivo engano!
Pelo que vejo nos jornais de outros Estados, a miséria humana entusiasmou-se com os encantos mil da cidade e aqui ficou. Nem o Betinho, o nosso único justo, que impedia que descesse sobre nós o fogo dos céus e a cólera de Deus, nem o Betinho escapou. "Quis sustinebit?" Quem prevalecerá?
Só não entendo uma coisa: a lista (ou as listas) foram descobertas na segunda-feira. A divulgação dos nomes tem sido feita a conta-gotas, de acordo com uma prioridade que não alcanço. Há um sentido na divulgação fragmentada: comprometer grupos e pessoas, algumas já suficientemente comprometidas em outros e emocionantes casos de corrupção.
Não entendi certas coisas. Um cidadão foi corrompido por US$ 7.159,00. Não importa se é muito ou pouco. Fico imaginando o cálculo do corruptor para chegar aos quebrados, aos 159 e não aos 160. Esse dólar a menos deve representar alguma deficiência do corrompido.
Rubem Braga, certa vez, arrebanhou uma moça do "Bolero" e a levou para o hotel. No caminho, perguntou quanto seria a operação. A moça, uma sergipana, informou: 3.150 cruzeiros. O velho Rubem reclamou: "Minha filha, isso não é preço de michê, isso é conta de luz e gás!"
Semana que vem teremos novas emoções. A caixa de Pandora (antigamente se usava palavra melhor para designar tal caixa) está sendo aberta. Dedicarei o fim-de-semana a refletir sobre se devo e para onde emigrar. Ouvi dizer que em Exu, no agreste pernambucano, as coisas estão mais tranquilas. Topo ir para qualquer canto, menos para as Ilhas Papuas.

Texto Anterior: Retrato de um covarde
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.