São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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Morumbi tem clássico dos bicampeões

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Definitivamente, não consigo conviver em harmonia com estas máquinas modernas. Na quarta-feira, ditei para meu micro um verso antológico do radialista Raul Duarte, e o que saiu foi uma besteira. Em lugar de "Criolo, mistiço (mestiço, de mistura) de anarfabeto", saiu "Criolo, místico de anarfabeto". Digno do Stanislaw Ponte Preta.
Tento agora retificar, pois os versos completos são os seguintes: "Aqui no meu Canindé tem Miquimba/ Aqui no meu Canindé tem Meganha/ Criolo, mistiço de anarfabeto/ Pro pixaim ficá queto/ Gasta uma lata de banha". Raul fez esse samba em homenagem à sua namorada, Yara, que morava no bairro do Canindé, onde erguiam-se os quartéis da Guarda Civil e da Força Pública, cujos integrantes eram chamados de miquimbas e meganhas. A crioula, empregada doméstica, passava por eles altaneira e indecisa entre a farda azul-marinho dos miquimbas e a cáqui dos meganhas, ostentando o gorgurão da patroa. Eram os estereótipos da época, anos 40/50. Crioulo, em São Paulo, ia para a Força Pública ou para a Guarda Civil. Ou, por fim, pipoqueiro. Isso mesmo, vendedor de pipoca.
Por isso mesmo, o torcedor do São Paulo, naqueles tempos, era conhecido como pipoqueiro, que mais tarde ganhou no futebol outra conotação: a do cara que foge do pau.
Esta tarde, São Paulo e Santos se reencontram no Morumbi num quadro bem diferente. O tricolor invadiu os 90 como um furacão, feito aquele Santos, mas, lógico, sem a magia de Pelé, que, fora das quatro linhas, tenta juntar os cacos de um time que nesta temporada chegou a experimentar a humilhação da rabeira no campeonato. Mas que, sob o comando de Serginho Chulapa, empreendeu uma virada sensacional. Virada que atingiria esta tarde o auge com uma vitória sobre o único rival brasileiro que ousou igualar-se em títulos mundiais.
Impossível? Nem tanto, mesmo porque é bom lembrar que este Santos inglório já surpreendeu várias vezes o tricolor nas últimas temporadas. É só uma questão de paciência, como segredou o ex-tricolor Dinho para outro ex-tricolor, o técnico Serginho. Fechar-se bem lá atrás, deixar acesa a vela para São Edinho e esperar que o São Paulo se descontrole, depois de uma proverbial série de gols perdidos. Aí, no contragolpe, zap!
Quer dizer, então, que Jean-Marie Faustin Godefrois D'Havelange, na surdina, frequentava as listas de Castor de Andrade? Por certo, haverá de ter uma explicação plausível. Talvez, nobre como a de Betinho, que, no fim dessa barafunda, acabará sendo o único a sair respingado desse mar de lama.
Mesmo assim, será um prato cheio para seus adversários, na próxima eleição, com a promessa de transformar a Copa num Campeonato Nacional de Heleno Nunes, com 32 clubes.
O saudoso almirante inspirou-se no próprio Havelange, que, em 70, logo após o tri do México, elevou o número de participantes do Nacional para 40 clubes. Foi o pontapé inicial da bancarrota do futebol brasileiro. Aliás, não é simples coincidência que a última Copa de grande envergadura técnica foi a de 74, ano em que Havelange se elegeu presidente da Fifa. Sua primeira medida foi a de aumentar para 24 o número de participantes do torneio, que era de 16.
Já dizia o velho sábio que não há efeito sem causa, com o povão, em coro, repicando: "Quem procura, acha!".

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