São Paulo, domingo, 10 de abril de 1994
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E ninguém sabia?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Recebi várias críticas e muitos apoios pelos artigos que escrevi contra a implantação de cassinos e outras formas de jogo de azar no Brasil. O primeiro deles, "Uma dupla perigosa", foi publicado em 12/05/91; o segundo, "O tripé da vergonha", saiu em 15/08/93 e o terceiro, "Que intimidade!" em 31/10/93, todos nesta coluna.
Nos três casos enfatizei que jogo nunca vem sozinho. As pesquisas demonstram que essa atividade sempre se acasala com corrupção, prostituição e droga. Os eventuais ganhos do jogo são ilusórios, não compensando, nem de perto, os estragos que produz.
O caso do jogo do bicho, que é tido como prática divertida e inofensiva, não é exceção. Os materiais encontrados nos cofres-fortes dos banqueiros do Rio levantam sérias suspeitas de envolvimento de funcionários públicos, policiais, parlamentares e até magistrados –quem faltou?– além de descortinar uma ligação escancarada com a rota do tráfico de drogas na Colômbia e outras partes. E ninguém sabia?
Há pouco tempo vimos que a loteria federal tornou-se meio de "lavagem de dinheiro" para parlamentares inescrupulosos que não tinham como usar de imediato o dinheiro surrupiado dos orçamentos públicos, ou seja, dinheiro do povo. Agora, estoura o caso do bicho do Rio revelando-se como alimentador dos mais variados tipos de contravenção e, até mesmo, de campanhas filantrópicas e lances de ingenuidade como foi a coleta de recursos para combate à Aids. E ninguém sabia?
O jogo não escolhe vítimas. Quem dele se aproxima é atingido em cheio, ora perdendo seus recursos para crupiês profissionais, ora destruindo os costumes por força da quebra dos valores éticos e morais. Tais vocábulos jamais fizeram parte do dicionário do jogo.
É triste ver tanta gente querendo defender a legalização do jogo como forma de solução do problema. Nada mais errado. Onde o jogo é legalizado os problemas são exatamente os mesmos. Ali imperam a corrupção, a prostituição e o droguismo.
Mais triste ainda é ver o jogo alimentar a ilusão dos mais fracos, aqueles que trabalham de sol a sol e cultivam no lúdico uma esperança de dias melhores. Pobres mortais. Eles não se apercebem que, gradualmente, perdem o pouco que têm e colaboram para encher os bolsos dos patrocinadores e administradores das várias formas de jogo –inclusive o governo.
Já é hora de concentrar as atenções dos nossos jovens para a importância do trabalho e, sobretudo, criar oportunidades de empregos para todos eles. Emprego não se gera com conversa. E muito menos com jogo. O Brasil precisa voltar a investir naquilo que tem significado para a produção e para o emprego. O jogo nunca enriqueceu as pessoas –exceto os seus mentores, é claro. Isso não é novidade. Ninguém sabia?

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