São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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O advento do real

JAYME MAGRASSI DE SÁ

O ministro da Fazenda recém-empossado confirmou sua intenção de manter o plano econômico lançado por seu antecessor. Deixou, porém, de indicar, de modo mais objetivo e factual, a estrutura da terceira fase da programação, bem como a data de seu início. Decisão de bom senso. Ainda mal lançada a segunda fase, com a URV em processo de absorção primária pela sociedade, seria por demais arrojado avançar quanto à forma e à operacionalidade da etapa seguinte. Demonstração de segurança também, ao não desejar um quase leviano "cheguei, vi e venci", sobretudo em assunto que exige tempo para assimilação, naturalmente cadenciada numa fase de transição e com percalços a superar de natureza nada dispicienda. Prudência louvável, ao não comprometer a palavra ministerial intempestivamente com algo cuja moldura só pode tornar-se realidade operativamente eficaz quando a URV tiver aplainado desequilíbrios, compensado distorsões e corrigido desvios, hoje constituindo o lado nevrálgico da conjuntura. Até lá tudo é intenção e bons propósitos, louváveis e meritórios, sem dúvida alguma.
O plano tem possibilidades de êxito, se o advento da nova moeda –o real– não pecar por precipitação, deixando, assim, de trazer, endemicamente, os efeitos de precipitados conjunturais que resultam de um longo passado conturbado por inflação impenitente e indexação bastante imperfeita. Descartado esse tipo de perturbação, melhor estruturada poderá ser a ordenação financeira e monetária para outorgar ao novo estalão condições de razoável estabilidade. A relação de valor com a moeda ou moedas de referência, a ordem cambial em sí, o lastreamento do real, a administração monetária, tudo isso só pode ser aferido, com propriedade, mais adiante, quando a conjuntura tiver passado por um profilático reequilíbrio e revelar-se razoavelmente livre das influências perturbadoras de quase meio século de tensões inflacionárias permanentes e de três décadas de dispersiva e arrítmica indexação.
Se o bom senso, a segurança e a prudência não permitirem açodamento na introdução da nova moeda, poderá não ser surpresa se esta vier a substituir o cruzeiro real, sem dispensar a continuidade de existência da URV como indexador único. Assegurados os objetivos visualizados com o advento do novo estalão, a sobrevivência do indexador único seria uma reserva de garantia. Reserva para a eventualidade de se ter, por certo período, e não pequeno, resíduo inflacionário exigente de correção monetária para evitar percalços de funcionamento no processo econômico e sobretudo na formação de poupança. Evitando também asfixias de ordem monetária e/ou financeira, recessivas ou provocadoras de síncopes conjunturais. Mais ainda, facultando certa dose de tranquilidade na apreciação e atendimento de problemas estruturais cuja dimensão e impactos não podem ser subestimados. Diversas questões neste País exigem atendimento sem preterição. O esforço de exportação, a infra-estrutura econômica e a social, o nível de emprego, a pressão demográfica, os efeitos de acentuadas e severas imperfeições de mercado, os desníveis de estrutura, de renda e de produto ao longo da Federação, a intermitência do setor rural, os índices de eficiência, o retardo na evolução técnico-científica e outros, não menos prementes, são problemas recorrentes, duros e impositivos. A sanidade da conjuntura é vital, mas não é tudo. O alcançá-la e sobretudo o consolidá-la ultrapassam o âmbito da administração da moeda e da política fiscal, dada a complexa problemática que existe neste gigante continental.
Diplomata capaz e experiente, com visão universal, o ministro da Fazenda tem tudo para bem sentir o quadro econômico e social do País, e bem conduzir a execução do plano.
A concepção que presidiu o programa a que se dedicou o ministro que vem de deixar a Pasta tinha por objetivo um estado conjuntural capaz de sustentar o valor da moeda e sua conversibilidade na condição de estalão forte. Intento defensável por todos os títulos. Mas sem que promova impedimentos à evolução estrutural do País e ao crescimento do Produto. Pois são duas condições para que o Brasil se despeça do retardo relativo em que se encontra e passe a desfrutar dos benefícios de melhor perfil na distribuição social da renda. A sensibilidade do atual ministro é fator relevante para que o coroamento do programa não se faça de modo precário e vulnerável, por fragilidade e ausência de consistentes fundamentos.

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