São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
Próximo Texto | Índice

Petronio traz sua dança colérica ao Brasil

ANA FRANCISCA PONZIO
ENVIADA ESPECIAL A LYON (FRANÇA)

O coreógrafo norte-americano Stephen Petronio e seu grupo vão se apresentar em São Paulo, de 11 a 13 de junho no Teatro Sérgio Cardoso. Antes, de 7 a 9, dançam no Rio (Teatro Carlos Gomes).
É a Cartel Produções que traz Petronio, que deveria participar do Carlton Dance Festival deste ano, cancelado na última hora pela Souza Cruz. Aos poucos, a programação do Carlton vai se reconstituindo. Trisha Brown, outra estrela do festival, vem ao Brasil em dezembro, a convite da 22ª Bienal Internacional de São Paulo.
Um dos melhores talentos da nova geração de coreógrafos americanos, Petronio começou a estudar dança somente aos 18 anos. Seu primeiro professor de dança foi Steve Paxton, criador do "contact improvisation" –técnica baseada no apoio mútuo entre os bailarinos, que Stephen ainda utiliza.
Além de Paxton, Petronio sofreria a influência de outro artista pós-moderno: Trisha Brown. Aos 21 anos, Petronio ingressou na companhia de Brown, tornando-se o primeiro homem de um elenco até então formado por mulheres.
Petronio acaba de realizar uma coreografia para o Ballet da Ópera de Lyon ("ExtraVeinous"). Em entrevista à Folha, anunciou o programa que apresentará no Brasil: "Half Wrong Plus Laytext", "She Says" e "The King is Dead", com músicas de Stravinski, Yoko Ono e Ravel.
*
Folha – Em geral você utiliza músicas de compositores contemporâneos. Por que escolheu Stravinski e Ravel para suas últimas coreografias?
Steven Petronio – Estou tentando ter uma visão maior deste século. Para "Half Wrong Plus Laytext" escolhi a "Sagração da Primavera" de Stravinski porque esta música foi um signo do começo do século, uma marca do modernismo. Junto com Nijinsky, Stravinski realizou a primeira colaboração mais importante deste século entre dança e música.
Para "The King is Dead" escolhi o "Bolero" de Ravel porque resolvi me deter em outro ponto de referência de nossa época. O "Bolero" é um pop deste século, está associado a uma série de clichês.
Folha – Em seguida você escolheu Yoko Ono...
Petronio – Eu adoro Yoko. Ela é uma das figuras femininas mais importantes deste século. Este é o tema do programa que vou apresentar no Brasil: as marcas registradas deste século.
Folha – "She Says" é uma homenagem a Yoko?
Petronio – Me inspirei nos temas das canções de Yoko que utilizo: "Nobody Sees Me Live You Do", "Open Your Box" e "Woman Power". Acho que "She Says" procura retratar a mulher se movendo da personalidade vitoriana em direção a uma personalidade feminina forte e moderna.
Folha – Qual o ponto marcante de sua dança?
Petronio – Nos últimos dois anos tenho pensado muito sobre o rumo da violência em nossos dias. Então, comecei a fazer danças muito sensuais e agressivas. Comecei a explorar uma fisicalidade colérica, provocativa. Acho que esse é um modelo físico estreitamente relacionado ao que acontece neste final de século.
Folha – Por que essa fixação em sexualidade?
Petronio – Na época vitoriana as danças eram muito estruturadas. A arte não podia lidar com coisas reais, como a sexualidade. Eu procuro recolocar esses elementos na dança, porque retratam a evolução do ser humano.
Folha – E o enfoque na agressão?
Petronio – Hoje temos realmente muitas razões para nos sentirmos irados. Vivemos uma espécie de homofobia, há agressões contra homens e mulheres. Com a Aids podemos ter a vida repentinamente cortada pela metade... Folha – Suas coreografias não são abstratas nem narrativas. Como você comunica suas idéias?
Petronio – Não estou certo se minha dança deve comunicar idéias. Para mim, dança é idéia. Meu objetivo principal é usar idéias como um suporte que me permita criar um modelo físico.
A maioria das pessoas tenta "ler" idéias numa obra artística, mas não acho que esse seja o trabalho da dança. Para mim, a dança tem que penetrar na parte mais irracional do cérebro do espectador.
Procuro criar modelos físicos que falem sobre o momento presente, sem ilustrar idéias.
Folha – Como a televisão te influenciou?
Petronio – Algumas de minhas coreografias têm sido sobre o ritmo acelerado de nossas vidas. A velocidade de comunicação gera uma personalidade elétrica.
Com a televisão, o homem aprendeu a absorver uma grande quantidade de imagens. Analisando o poder da televisão é possível conhecer melhor o vocabulário humano, os níveis complicados de informação com os quais lidamos. E transporto isso para a dança.
Folha – Como você trabalha com os gestos?
Petronio – Vejo o palco como um quadro, onde tenho que colocar gestos. Gosto de imaginar essa exposição de gestos como uma espécie de banquete: algumas pessoas verão uma coisa, outras pessoas verão outra coisa. É quase impossível ver o quadro total e este é o ponto mais importante para mim.
Não tento contar uma história, não procuro mostrar uma experiência coletiva que deve ser captada imediatamente pelo público. Quero que cada pessoa da platéia descubra alguma coisa diferente.

Próximo Texto: IDENTIDADE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.