São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 1994
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Os intelectuais e a política

A candidatura de Fernando Henrique Cardoso e a adesão de alguns dos mais importantes pensadores do país ao seu nome suscita pelo menos duas questões sobre a natureza da participação dos intelectuais na política. Qual o valor da presença de um grande pensador na lista de presidenciáveis? E, em segundo lugar, não ficam em xeque as idéias daqueles que o apóiam se a adesão parece anterior a qualquer definição programática, a qual depende da composição de alianças?
Certamente o político oriundo da academia não trará, na ponta da língua, soluções para as tarefas de governo. Mas essa ressalva não faz a sabedoria do intelectual-político –o seu diferencial– se reduzir à irrelevância? Isso não o tornaria um candidato como os outros?
Os primeiros sociólogos já depararam com a questão e argumentaram que a ciência da política e a política são independentes. Que se admita isso e que se esqueça então o que escreveu o intelectual.
Sobram suas posições assumidas no exercício diário da política. Não seriam elas mais consistentes devido ao hábito da reflexão? Mas se as posições do intelectual-candidato mudam, como as dos políticos profissionais, o diferencial da sabedoria chega ao rés-do-chão. O intelectual é reduzido à condição de político, sem mais, o que não invalida a priori o valor do candidato.
Difícil é a posição daqueles acadêmicos, principalmente das ciências humanas, que parecem aderir apenas à personalidade de um de seus ex-pares. O intelectual-político em questão, FHC, quer costurar uma colcha de alianças que inclui o PFL de ACM, o PTB e o PPR de Maluf. Sem poder prever o sabor que terá essa mistura, os pensadores partidários do candidato do PSDB lançam um manifesto de apoio que finge ignorar que o candidato FHC é algo diferente do brilhante ex-professor da USP.
Não poderiam fingir se tivessem que ir aos palanques. Críticos do clientelismo e da desigualdade social dariam as mãos a oligarcas que apoiaram o regime militar, coronéis fisiológicos e, talvez, ao ex-paladino da eleição indireta, Maluf. Assemelham-se, assim, aos intelectuais orgânicos ou simpatizantes do PT, aliado do PC do B, partido que apóia violências como o massacre da praça da Paz Celestial.
Antes mesmo de se saber o que pode representar a coalizão que quer levar FHC ao Planalto, o corporativismo leva intelectuais que passaram a vida a explicar a interação entre as forças sociais a pregarem a adesão a um nome, a uma personalidade, a um ex-par. Só.

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