São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aborto institucional

JOSÉ EDUARDO DE ANDRADE VIEIRA

Mesmo tendo sido resolvido o impasse criado pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) no acordo da câmara setorial da indústria automotiva, o fechamento deste órgão continua sendo uma necessidade para o amadurecimento da democracia brasileira.
Afinal de contas, este conselho, constituído por secretários da Fazenda dos Estados para tomar decisões, sempre por unanimidade, a respeito de impostos estaduais, não passa de um entulho autoritário.
Como a democracia já está em funcionamento, este filhote da ditadura, um verdadeiro aborto institucional, deveria ter suas atribuições indevidas transferidas para a instituição que de direito trata dos assuntos relativos à Federação, ou seja, o Senado da República.
Afinal, os senadores foram eleitos pelo povo exatamente para este fim e o mesmo não pode ser dito dos secretários da Fazenda, nomeados pelos governadores e demissíveis a qualquer momento.
Se até hoje o Confaz passou em brancas nuvens com suas decisões autoritárias, desta vez o órgão passou dos limites ao tentar denunciar, isoladamente, um pacto que tirou um setor importante da economia brasileira da estagnação e participou da arrancada de crescimento que tirou o país do atoleiro da recessão no ano de 1993: o acordo entre trabalhadores, montadoras, fornecedores, revendedores e autoridades do governo, no qual todos cederam um pouco para que no fim todos, e pricipalmente o Brasil, ganhassem.
Graças a ele, a indústria cresceu 9% e o PIB (Produto Interno Bruto), 5%, em 1993, depois de anos de crescimento negativo.
Quando assumi o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, a convite do presidente Itamar Franco, percebi que as câmaras setoriais poderiam desempenhar um papel muito mais relevante do que o de mero controlador de preços e custos, finalidade delas no governo anterior.
E resolvi transformá-las num foro democrático, com a participação de todos os agentes econômicos envolvidos, para a assinatura de pactos setoriais, capazes, em conjunto, de reativar a economia.
O grande êxito obtido no acordo da câmara setorial da indústria automotiva, firmado em janeiro de 1993, mostrou que eu estava com a razão. Todos os setores participaram, ativa e entusiasticamente, da busca de consenso para reduzir os custos e, assim, baixar os preços dos automóveis, incentivando sua comercialização e, em consequência, a produção.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD, Vicente Paulo da Silva, da CUT (Central Única dos Trabalhadores), teve participação destacada no acordo, numa prova de que os brasileiros de boa vontade não ligam para diferenças ideológicas quando se trata de promover o interesse geral.
As montadoras abriram mão de parte de seu lucro e aceitaram garantir o nível de emprego e uma remuneração com ganho real assegurado, obtendo, em contrapartida, o compromisso dos trabalhadores de uma trégua nas greves, enquanto dure o acordo.
Os revendedores também cederam parte de seus lucros, a exemplo dos fornecedores de insumos, de um lado e, de outro, as autoridades federais e estaduais aceitaram baixar as alíquotas dos impostos cobrados do setor. Isso não chega a representar uma renúncia fiscal, pois, na verdade, os impostos cobrados eram muito altos, comparando-se com outros setores e com outros países.
Com 1,391 milhão de veículos produzidos e vendidos, o setor automotivo brasileiro bateu recordes históricos em 1993.
O aumento de vendas foi tão expressivo que a redução das alíquotas não prejudicou os cofres públicos. No primeiro semestre de 1993, os automóveis geraram US$ 1 bilhão 176 milhões de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializado), contra US$ 883 milhões, em 1992, e US$ 639 milhões de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), contra US$ 486 milhões, no ano anterior.
O Estado mais interessado em arrecadar ICMS, o de São Paulo, reconheceu, pela palavra de seu governador, Luiz Antônio Fleury Filho, que houve um aumento significativo na arrecadação de ICMS ao longo do ano. E, como as vendas aumentaram 40%, é de se supor que a influência do acordo na arrecadação do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) seja da mesma ordem.
No entanto, os governadores de Ceará, Roraima, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul tudo fizeram para acabar com os efeitos positivos do acordo, negando a redução da alíquota do ICMS e forçando os outros Estados a fazerem o mesmo, por causa da cláusula da unanimidade nas decisões do Confaz.
Infelizmente, os brasileiros que perderem o emprego por causa de sua volúpia política dificilmente terão a oportunidade de providenciar o desempenho desses governadores, nas urnas. Por isso mesmo, apesar de ter prevalecido o bom senso com a manutenção do acordo, a atitude certa a tomar continua sendo fechar o Confaz e entregar suas atribuições autoritárias ao órgão responsável por elas na democracia, o Senado da República. E já!

Texto Anterior: Danos ao patromônio; Mordomia segura; Goma de mascar
Próximo Texto: Declaração deve incluir apenas alterações dos bens
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.