São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
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Nobreza do samba abre Heineken Concerts

CARLOS CALADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A nobreza negra do samba reinou na estréia do Heineken Concerts, anteontem, em São Paulo. O encontro de Paulinho da Viola, Gilberto Gil e a Velha Guarda da Portela rendeu uma noite inesquecível para as quase 1.500 pessoas que foram ao Palace.
Depois de cantar em coro o clássico samba "Foi um Rio que Passou em Minha Vida", com todo o elenco do show em cena, muita gente da platéia saiu enxugando lágrimas. Em uma homenagem sensível e totalmente merecida, Paulinho voltou mais uma vez ao palco para lembrar mestre Marçal, morto no último sábado.
Anfitrião da noite, Paulinho da Viola imprimiu sua marca tranquila a todo o espetáculo. "Doutor Serenidade" –como foi chamado por Gil– apresentou seus convidados, narrando com detalhes deliciosos como os conheceu e quais afinidades musicais tem com eles.
Quase desconhecido entre o público paulista, o veterano violonista Canhoto da Paraíba foi a surpresa da noite. Paulinho lembrou quando o ouviu pela primeira vez, em 1959, num encontro informal de músicos de choro, na casa de Jacob do Bandolim. Ficou tão deslumbrado que naquele momento decidiu se tornar violonista.
Não era para menos. Em composições próprias, como a intrincada "Trovador", Canhoto exibiu com graça sua original maneira de tocar o violão, deixando as cordas mais graves para baixo. Esbanjou agilidade nos ritmos nordestinos da divertida "Pisando em Brasas", com direito a citações de "Asa Branca" e "Vassourinha". O golpe final veio com o "'medley" de "Mulher Rendeira", "Disparada" e "Procurando Tu". Saiu do palco aplaudido de pé.
O encontro com Gil se mostrou mais informal. Para chamá-lo ao palco, Paulinho escolheu o samba "A Felicidade Vem Depois" –justamente a primeira composição do músico baiano. Depois de cantarem juntos a belíssima "Dança da Solidão" (de Paulinho), foi a vez de Gil homenagear seu primeiro mestre: Luiz Gonzaga.
"Aquilo me levou pro mundo", disse, recordando o impacto da sanfona do "rei do baião" em sua formação musical. Cantou "Treze de Dezembro", uma deliciosa parceria com o mestre. E, antes de sair, exibiu até alguns passos de miudinho, em "No Pagode do Vavá", um dos sambas mais bem-humorados de Paulinho.
A emoção chegou ao máximo com a arrepiante entrada da Velha Guarda da Portela, justamente no dia em que escola completou 71 anos de vida. Liderados por Monarco, Manassés e Casquinha, os veteranos da Portela deram uma verdadeira aula de samba –muito apropriada para quem descobriu o gênero através das versões plastificadas que tomaram o lugar dos brega-sertanejos nas rádios.
"Muito obrigado pelo batismo, uma honra e um privilégio", agradeceu ainda Gil, juntando-se a Paulinho e aos bambas da Portela, na festiva "Aquele Abraço". Uma noite brilhante, na qual a música brasileira provou mais uma vez que pode fazer bonito em qualquer festival pelo mundo. Mesmo que isso seja esquecido muitas vezes no próprio Brasil.

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