São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tudo pelo voto

O desejo de chegar ao poder tende a descaracterizar os programas partidários; já a proximidade do poder acentua essa tendência. Mais do que nunca, a disputa pelos votos na eleição de 1994 ameaça tornar-se uma corrida pela indiferenciação e pela afirmação de personalidades.
Seja devido a acordos, eleitoreiros ou não, ou à simples demagogia, os partidos têm usado pontos dos programas como lastro ideológico do balão das candidaturas. Consideram que, para subir nas pesquisas de intenção de voto, basta jogar fora o peso de suas idéias, sejam elas sobre a social-democracia ou sobre o aborto. O eleitorado corre assim o risco de ver chegar ao "céu" do Planalto um homem num cesto vazio de princípios.
Mesmo o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, do qual se podia dizer que era o único que "dava a cara para bater", para usar uma imagem popular, começa a aparar arestas programáticas que possam arranhar seu eleitorado. Comunicou oficialmente a d. Luciano Mendes de Almeida que a descriminalização do aborto não vai mais constar do programa do partido.
Lula usa um sofisma para defender a retirada estratégica: o aborto é uma questão de legislação, o que não é de alçada do presidente da República. Ora, o monopólio do petróleo também o é, mas da lei maior, a Constituição. Talvez o candidato do PT estivesse se referindo à legislação ordinária. Mas esta não regula os salários, por exemplo? E quando uma questão de "mera" legislação ordinária afeta milhões de mulheres, como o aborto, não deve ela merecer atenção de um postulante à Presidência?
O candidato que por enquanto polariza com Lula as preferências do eleitorado também aperta o passo na corrida rumo a indistinção ideológica em que se vem transformando a disputa eleitoral. Fernando Henrique Cardoso não só está levando o PSDB a uma aliança com o PFL, que praticamente invalida toda a massa crítico-intelectual do seu partido, como agora se diz "cansado da politiquice" e assume que sua candidatura é personalista.
Os dois aproximam-se, assim, da imagem típica, popular mesmo, do político que "escorrega", que evita querelas, que se furta a debater questões espinhosas por medo da impopularidade. Aderir a opiniões menos flexíveis apenas nos casos de comunhão com eventuais iras populares. Nesta eleição, as idéias parecem tão anódinas que, se não despertarão iras, provavelmente tampouco suscitarão amores.

Texto Anterior: Polícia americana
Próximo Texto: Rancor tacanho?
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.