São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Naná traz legião estrangeira a SP

CARLOS CALADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Só a expressão de felicidade estampada no rosto de Naná Vasconcelos já valeria a segunda noite do Heineken Concerts –anteontem, no Palace. Considerado mundialmente um inovador da percussão, o músico pernambucano (hoje radicado nos EUA) teve de esperar duas décadas para gozar em seu país o mesmo grau de reconhecimento que seu original trabalho recebe no exterior.
Homenageado como o anfitrião da noite, Naná reuniu não só músicos originários das três Américas, mas também diferentes bagagens musicais –do roqueiro norte-americano Vernon Reid ao jazzista panamenho Carlos Ward, passando pelos brasileiros Arthur Maia (baixo), Marçal (percussão) e o uruguaio Hugo Fattorusso (piano e teclados).
À frente dessa inusitada "legião estrangeira" Naná exibiu uma inquieta síntese de sua concepção musical, na qual os ritmos do Nordeste brasileiro se combinam com o improviso e a sofisticação do jazz, além de pinceladas de reggae e outras levadas próximas do pop.
O show combinou arranjos abertos com muita liberdade. Até mesmo o viajandão Don Cherry –que se divertiu muito, dançando ou inventando vocais esquisitos, com os olhos vidrados– soprou seu trompete-de-bolso fielmente junto com o sax de Carlos Ward, quando o arranjo pediu.
Sensação da ala roqueira da platéia, Vernon Reid manteve o "low profile". Lembrou, de certo modo, a fase inicial de sua carreira, quando colaborou com a vanguarda para-jazzística da M-Base (grupo de músicos do Brooklyn nova-iorquino, liderado pelos saxofonistas Steve Coleman e Greg Osby).
Abrangente no traçado de seu mosaico sonoro, Naná exibiu um pouco de tudo. Tocou samba, jazz (especialmente um não-anunciado tema à Ornette Coleman, o mestre do "free jazz") e temas climáticos e hipnóticos, que soam quase como trilhas sonoras. Recriou seus originais vocalismos, parentes distantes dos pregões de rua do Nordeste. E ainda, para a delícia da platéia, comandou um coro percussivo a 3.000 mãos, reproduzindo os sons de chuva e dos rios da selva amazônica.
"É um sonho que está se realizando para mim e para eles, que queriam muito vir ao Brasil", disse o radiante anfitrião já ao final do show. Naná merece muito mais, mas a noite do Heineken Concerts já foi um ótimo começo.

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