São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Monte-Mór explora materiais em exposição

CARLOS E.UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Germana Monte-Mór inaugura hoje sua exposição na Itaugaleria, mostrando desenhos feitos em asfalto frio sobre papel-manteiga.
Em sua primeira individual paulistana, a artista mostra a entonação segura de seu talento, nutrido num trabalho delicado que foi se fazendo atentamente nos últimos seis anos.
Gestos
Os desenhos de hoje resultam de seu trabalho de gravura, aliado a uma busca voltada a matérias plasmáveis, como a cera e a parafina, com que vinha confeccionando seus objetos.
Aqui o traço decidido e inexorável do desenho se une à matéria untuosa e plástica dos objetos, resultando em obras onde a frágil película do papel-manteiga é impregnada de asfalto diluído.
Técnica
Sobre esse magma ela desenha com a matéria generosa do próprio asfalto, mas agora bem adensada.
Disso resultam traços orgânicos e fortes, como a contorcer-se em torno de si próprios, não deixando aparente uma ação única que seria a origem possante do gesto.
Não são traços construídos, ramificações lenhosas de um pincel que vai e vem. Daí sua força orgânica.
Aqui, ao contrário, o traço flutua sobre uma superfície lodosa, magmática, líquida, que desfaz e problematiza a fixidez do traço.
Espacialidade
Os possantes grafismos são muitas vezes esgarçados pela base ainda molhada, que tende a escorrer em verticais, e acaba por criar uma indefinição essencial entre figura e fundo, suporte e imagem.
Engolido o suporte, o desenho passa a ser um objeto material no espaço.
Em geral, os traços são horizontais, servindo como que de barreira ao escorrimento natural da superfície úmida.
Espacialmente, isto resulta numa pressão sobre a parte inferior da superfície que o desenho ocupa.
É como se surgissem duas qualidades espaciais diversas: uma expandida, centrífuga, na parte superior, e outra comprimida, centrípeta, na parte inferior.
Expansões
Mas os próprios traços são sempre abertos, voltados a uma expansão lateral.
Germana rasura os limites dos desenhos ao obliterar as dualidades que o compõem e fazendo com que a própria matéria "gráfica" torne-se ela mesma o corpo da obra, encorpando os adejos naturais do papel, tornando-os coisa no mundo.
Com isso conduz a bidimensionalidade do desenho a um limite extenuado.
Nessa bidimensionalidade impossível, contida a contragosto em caixas de madeira e vidro, e também na pregnância plástica dos traços, está a força do trabalho.

Exposição: Desenhos de Germana Monte-Mór
Quando: Abertura hoje, 19h às 23h. Até 6 de maio, de segunda a sexta, 10h às 18h
Onde: Itaugaleria (av. Higienópolis, 462, Higienópolis, zona central)

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