São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 1994
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A reengenharia do Brasil

EMERSON KAPAZ

Entre os novos conceitos surgidos no âmbito da Terceira Revolução Industrial, a reengenharia veio para ficar. Trata-se do esforço, por muitos ainda incompreendido, de reconstruir as atividades e os processos empresariais. No entanto, esse reconstruir precisa despojar-se de quaisquer vícios e preconceitos, demolindo estruturas, se necessário.
Hoje, o Brasil está passando por um processo de reengenharia. Esse é o elo que encadeia acontecimentos aparentemente sem ligação entre si. Cito o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a CPI do Orçamento, a prisão dos banqueiros do bicho, dos fraudadores do INSS e a instalação de uma Comissão Especial de Investigação para apurar casos de corrupção no Executivo.
Esses episódios demonstram com clareza a presença de setores da sociedade que praticam reengenharia, repensando conceitos e demolindo estruturas. A preocupação com a ética e a cidadania inerente a todos esses episódios marcou o ressurgimento de um determinado tipo de ação política, que transcende os partidos. É o mesmo tipo de ação que marcou a campanha pelas Diretas-Já, na qual a sociedade toma momentaneamente as rédeas do poder, impondo o rumo a tomar.
Essa reengenharia cívica atravessa todos os poros sociais e atinge também os empresários. É notável como a cabeça do empresário brasileiro mudou nos últimos dez anos. Hoje, algumas atitudes e declarações dos líderes de nossas entidades mais conservadoras fariam corar os líderes dessas mesmas entidades há dez anos.
No entanto, é forçoso reconhecer que ainda há um bom caminho a trilhar no meio empresarial para que a reengenharia nacional abra de vez a cabeça do empresário brasileiro. É preciso que esse empresário interiorize o binômio ética-cidadania, relacionando-o com a qualidade dos produtos, a parceria com os trabalhadores e a valorização do conhecimento.
O conceito da qualidade total, aplicado aos processos de produção e gerenciamento, está indissoluvelmente associado a uma nova relação com os trabalhadores. Tentar avançar na qualidade total sem esse novo relacionamento é tempo jogado fora.
Tal relacionamento prevê uma parceria, em substituição ao autoritarismo inerente à clássica relação patrão-empregado. Supõe o posicionamento dos escalões intermediários como coordenadores da produção e não como chefetes e feitores. E precisa estimular a representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, sem prejuízo da representação dos sindicatos e das centrais.
Já a valorização do conhecimento pressupõe uma mudança completa do sistema de administração das empresas, em sintonia com a Terceira Revolução Industrial, marcada pela revolução da inteligência. Isto implica a operação das fábricas por robôs e a preparação dos trabalhadores para funções mais nobres e melhor capacitadas tecnologicamente.
O problema de desemprego no mundo não se deve às novas tecnologias, mas sim ao fato de que essas são implantadas em velocidade superior ao ritmo de capacitação dos trabalhadores para novas funções. É preciso urgentemente operar uma revolução na educação como parte essencial da reengenharia brasileira.
Essa revolução deve utilizar-se do aspecto positivo e flexível de nossas peculiaridades: nosso "jeitinho", a ginga, a capacidade de coadunar o individual e o coletivo e, sobretudo, criatividade para colocar tudo isso em favor da reengenharia nacional.
Não tenho dúvidas de que o Japão, hoje uma potência mundial, foi impulsionado pela reengenharia japonesa baseada em sua cultura milenar, na educação compulsória e na dedicação ao trabalho.
O Brasil também pode avançar por esse caminho, utilizando-se de nossa sede por ética e cidadania, das ilhas empresariais de excelência e, sobretudo, da disposição dos empresários modernos de abrir a cabeça.

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