São Paulo, sábado, 16 de abril de 1994
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URV, inflação e conflito

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

Há uma certa desinformação na opinião pública, com relação à URV (Unidade Real de Valor), o que cria mitos e desvia a atenção das questões relevantes. Isso engloba a questão da inflação, dos salários, dos preços, contratos etc. Em primeiro lugar, é importante que se tenha consciência que a URV por si só não é um programa de estabilização e, portanto, sua eficácia enquanto efetivo combate à inflação é praticamente nula.
A URV, na verdade, tem uma função intermediária de uniformizar preços e contratos na economia brasileira que, amarrada a uma cultura de 30 anos de indexação, desenvolveu critérios e intervalos de reajuste extremamente diferenciados. Além da multiplicidade de índices de preços, também ocorreu uma enorme diferenciação nos intervalos de reajuste. Os extremos variavam de um dia, no caso dos preços ufirizados ou dolarizados, até seis meses, casos dos contratos de aluguel residencial.
Para a introdução de um novo padrão monetário é preciso que se uniformize minimamente estes critérios e intervalos, preparando a economia para as novas regras. Este é o papel principal da URV e que, portanto, não tem o poder de alterar, por si só, o cerne da questão inflacionária. É errada a leitura de que a URV veio para fazer baixar a inflação. O máximo que a URV pode fazer é, uma vez consolidada a adesão dos principais formadores de preço, amenizar a expectativa da inflação futura, o que diminui o peso desse componente (de expectativa), na inflação verificada.
Da mesma forma, medir a inflação em URV é ao mesmo tempo uma discussão etérea e inócua.
A URV é uma média de três índices de preços tradicionais no mercado. A inflação captada por estes índices é transferida à URV, caracterizando a superindexação da economia e balizando preços relativos.
As distorções não ocorrem em função da URV, mas apenas evidenciam-se. Todos os índices de preços revelam uma inflação média, calculada com base em uma cesta de consumo padrão, onde o peso dos vários componentes de custo está representado. Nenhum indicador de preços aponta a inflação que está ocorrendo no momento, mas uma situação passada.
Há, evidentemente, na economia brasileira um enorme conflito distributivo, onde os movimentos de preços tendem a transferir renda entre setores e camadas sociais, de acordo com o seu poder de formação/negociação de preços e salários. A URV não resolve este conflito, pode amenizá-lo na medida em que se consolide enquanto indexador geral e torná-lo mais transparente.
Na discussão dos salários, há um debate fora de foco. É inegável que perdas salariais decorrem da inflação, isso antes ou depois da URV. Não há mecanismo que preserve o poder de compra dos salários em uma economia inflacionária, seja ele o quão sofisticado for. Somente a estabilização da economia e a retomada do crescimento propiciarão melhores salários e empregos.
A estabilização, por outro lado, imprescinde de uma nova configuração no dispêndio e
financiamento públicos e de um padrão monetário confiável, com regras transparentes e estáveis. Enquanto estas condições não estiverem garantidas, as chances de estabilização duradoura são pequenas. É preciso avançar nessas reformas, o que exige um mínimo de consenso nas negociações sobre as questões relevantes e que efetivamente possam mudar o eixo da estrutura econômica.
De outra forma, a busca de soluções fáceis, mas pouco consistentes, são de apelo considerável em períodos eleitorais. É preciso que a sociedade esteja atenta para o que de fato é importante na questão da estabilização e não se deixe levar, seja por interesses localizados, muitas vezes em contraponto ao interesse coletivo, seja pela dispersão em questões menos importantes, que venham sobrepor-se aos aspectos essenciais.

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