São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 1994
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O jogo das provas

JANIO DE FREITAS

Ou a classe média está num miserê já próprio de favelados, ou a contabilidade do jogo no Estado do Rio é ainda mais estranhável do que se mostrou até agora. Um livro-caixa ainda não lançado no mercado do sensacionalismo político pela Procuradoria de Justiça fluminense, e apreendido no escritório central do videopôquer, relaciona oficiais da PM com propinas que os fariam contentar-se com o nível financeiro de um limpador de escritório.
Pode-se admitir que um oficial mais degenerado, econômica ou moralmente, aceitasse uma propina vagabunda. Mas oito capitães, todos igualmente tão conformados com sua deflação, é algo que foge ao aceitável a priori. E, no entanto, é isso mesmo que aparece nos supostos registros de gastos do videopôquer em 10 de dezembro de 93: cinco capitães recebendo CR$ 5 mil cada um, ou o equivalente a US$ 19 ou CR$ 21.795,00 atuais; e três outros, ainda mais baratos, recebendo CR$ 4.500,00, ou o equivalente a US$ 17 ou CR$ 19.500,00 atuais. A mesma quantia que no mesmo dia pagava o "faxineiro (escritório do Fonseca)".
O videopôquer era controlado pelo genro de Castor de Andrade, Fernando Ignacio, preso por tentar subornar o delegado Mário Covas para permitir o funcionamento de suas casas de jogo. No livro-caixa do videopôquer não figuram políticos nem outros nomes notórios. Mas, a despeito da fé quase religiosa que os promotores da Procuradoria de Justiça depositam na contabilidade dos contraventores, ou por causa dela, as incongruências deste registro são mais uma prova de que à fé não cabe mover para o lado montanhas de ética e de rigor processual. Precisa mover investigações sérias.
Inflação de liberdade
Aturdida com a persistência da inflação, que esperava ser declinante à medida em que se difundisse o uso da URV, a equipe econômica oferece sua mais recente criação: "Não existe inflação em URV. A URV é um índice e inflação é só em moeda."
Então você já sabe: quando verificar que o preço de 10 URVs na semana passada é, nesta, de 12 URVs, recorra ao preciosismo –e a inflação desaparece. Levando o seu salário em URVs fixas.
À equipe econômica só falta levar sua nova teoria à última consequência, ou seja, reconhecer que o plano dito FHC2 está errado: para acabar com a inflação não é necessário criar o Real. É suficiente esperar que todos os preços estejam em URV, porque não haveria inflação mesmo com os preços subindo.
Alguém precisa explicar aos economistas o que significa a expressão liberdade de pensamento.
Global
Na qualidade de membro do Conselho Editorial da Folha, recebi com alegria a nota "Identidade", que a direção de "O Globo" mandou publicar no seu jornal de ontem. Diz a nota que o Conselho "decidiu apoiar o candidato Luiz Inácio Lula da Silva em seu (de "A Folha de S.Paulo") noticiário".
Em nenhuma de suas formas o nome de Lula foi sequer mencionado na reunião do Conselho. Mas a natureza da nota justifica e estimula o jornalismo independente que tem feito o sucesso da Folha sobre ex-concorrentes.

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