São Paulo, quinta-feira, 21 de abril de 1994
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Sem meias palavras

MIGUEL JORGE

Assumir publicamente uma postura de transparência parece ser atitude ainda pouco compreendida entre nós, brasileiros, que só há pouco começamos a exercitar esta saudável prática de modernidade política e empresarial, comum a países do Primeiro Mundo. O exemplo mais atual e gritante é a repercussão na mídia da cartilha "Ameaça à Indústria Nacional", distribuída pela Autolatina a seus 48 mil empregados.
Esta é a primeira de uma série de publicações no gênero, que abordam a qualidade, a educação, a participação etc. e mostram a preocupação da empresa com a qualidade da mão-de-obra e de seus produtos. Optou-se pela questão dos automóveis importados para começar a série porque a empresa se sente obrigada a chamar a atenção de seus empregados para os riscos que um processo de abertura indiscriminada representa para o país. Quis também alertá-los para a necessidade cada vez maior de se obter qualidade.
A cartilha pede sim –com todas as letras e numa linguagem simples e direta– limitação para os importados, com quotas de importação e prazos para a indústria absorver as novas tecnologias. Exemplares da cartilha, com estas posições, foram encaminhados a jornalistas, dentro do espírito de transparência que sempre norteou a Autolatina.
Infelizmente, parece que alguns não entenderam assim e partiram para a crítica pura e simples. Não sabemos porque tanto espanto; a posição da empresa quanto a essa questão não é nova nem desconhecida da grande imprensa, do governo e da opinião pública. A Autolatina tem defendido, nos últimos três anos, as quotas de importação e medidas reguladoras do processo de abertura.
Ao transmitir esta posição e esta preocupação a nossos empregados, cumprimos a obrigação de uma empresa que atua num setor responsável por um terço do crescimento do Brasil no ano passado e que gera 5,2 milhões de empregos diretos e indiretos.
Mostramos esta realidade e também como alguns países lidaram com a questão dos veículos importados. Citamos o exemplo do México, que aderiu recentemente ao Nafta e onde só as empresas que fabricam no país podem importar, mesmo assim dependendo de sua exportação. Falamos da Itália, da França, da Inglaterra, da Alemanha, da Espanha e de outros países que limitam a entrada de veículos importados. Contamos que, dos grandes produtores, só os Estados Unidos não têm limitação, enquanto que todos os outros impõem barreiras, tarifárias ou não.
Não faltam argumentos que justifiquem a posição da empresa de levar para seus empregados sua opinião sobre a questão. Pediu-se, novamente, o estabelecimento de quotas de importação de 3,5% a 7% da produção nacional, por classe de veículo e por um período mínimo de sete anos. Aliás, foram exatamente esses os limites defendidos por toda a indústria montadora, pelos fornecedores de peças e componentes e pelos sindicatos em todas as reuniões da Câmara Setorial do Setor Automobilístico. Seguiu-se, aqui, o exemplo da Comunidade Econômica Européia (diga-se de passagem, importadores aqui instalados e que produzem na Europa defendem lá as quotas de importação que não querem para o Brasil!!!).
O mundo dos negócios é uma via de duas mãos e a indústria automobilística foi responsável por 14% do superávit da balança comercial brasileira. Isto prova que nossos carros e nossas peças e componentes têm condições de competir, apesar das enormes dificuldades que enfrentam todos os que querem produzir aqui. Os produtos mais modernos que estão sendo lançados hoje no mercado interno, como o Escort, Logus, Verona, Tempra, não surgiram empurrados pela concorrência externa –eles começaram a ser desenvolvidos muito antes da chegada dos primeiros importados.
O que não se pode é imaginar que a indústria automobilística aqui instalada assista à invasão sem reagir –e nossos empregados dormem tranquilos, hoje, porque sabem que a decisão da Volkswagen e da Ford está sendo a de distribuir cartilhas e não a de importar dezenas de milhares de automóveis de suas dezenas de fábricas espalhadas pelo mundo inteiro.

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