São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 1994
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Seguros, um nó chamado automóvel

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

De acordo com recentes estatísticas, nos primeiros três meses do ano foram roubados 38.200 automóveis em São Paulo. Partindo-se da premissa que 10% da frota de veículos nacionais tem seguro, as seguradoras indenizaram até agora 3.820 carros, apenas em São Paulo, no ano de 1994.
Mesmo sabendo-se que este número, em função do perfil de quem contrata seguros, e do perfil da maioria dos veículos roubados, é, de verdade, maior, vamos nos ater aos 3.820 carros encontrados acima, dando-lhes um valor médio de US$ 15 mil dólares por carro, para encontrarmos o número significativo de US$ 57,3 milhões, desembolsados a título de indenizações, apenas para o roubo total de veículos, nos primeiros três meses deste ano, num único município, que não é o que tem o maior índice de roubos de automóveis do país.
O Rio de Janeiro, que dia-a-dia vai desfiando suas mazelas, tem mais carros roubados ainda! E Campinas, que é tida como um paraíso em comparação ao resto do Brasil, também está na frente de São Paulo, na proporcionalidade dos roubos de veículos que ocorrem lá. Assim, dando ao Rio de Janeiro mais ou menos US$ 70 milhões de indenizações, e ao resto do país outros US$ 200 milhões, é fácil ver que, neste ano, as seguradoras desembolsarão um total superior a US$ 1,3 bilhão, apenas para ressarcirem as perdas totais consequentes do roubo de automóveis no Brasil.
Mas as seguradoras têm uma outra torneira que representa uma sangria quase tão grande quanto esta: os concertos das batidas pequenas, as chamadas perdas parciais. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, não há qualquer relação entre o aumento do custo dos automóveis novos e o aumento do custo dos consertos.
Pelo contrário, o custo dos consertos segue uma tabela toda especial, baseada num rol de "achismos" praticados pelos donos das oficinas, que jogam mês a mês o preço dos reparos para a estratosfera.
Há alguns anos atrás o atual presidente do Sindicato das Empresas de Seguros no Estado de São Paulo, Cláudio Afif, fez uma demonstração a este respeito, mostrando que o motor de um Chevette, trocado numa oficina, custava mais caro do que o carro inteiro. No final de sua exposição, um Chevette consertado numa oficina saia oito vezes mais caro do que o mesmo Chevette, comprado zero numa concessionária Chevrolet.
Mesmo levando-se em conta que 99% dos seguros de automóveis brasileiros têm franquia, os valores envolvidos nos ressarcimentos parciais também atingem cifras enormes e que pioram ainda mais o quadro geral.
A arrecadação máxima que o seguro de automóveis poderá ter no ano de 1994 beira os US$ 1,8 bilhão. Por outro lado, a sinistralidade, só com perdas totais por roubo, passará dos US$ 1,3 bilhão. Somando-se a ela os sinistros de danos parciais e os sinistros de perdas totais por colisão, é certo que o total dos sinistros será muito maior do que o faturamento da carteira, deixando o índice atual de 129% bastante para trás, e comprometendo todo o sistema de seguros privados, que no ano de 1993 já teve um prejuízo operacional de perto de US$ 400 milhões, e que por isto mesmo, hoje, tem companhias praticamente sem caixa.
Qualquer seguro tem três componentes de custos. O primeiro é o custo com sinistros, o segundo é o custo administrativo e o terceiro é o custo comercial. Em função deles a seguradora calcula o preço de venda de suas apólices, que deverá se situar num patamar que apresente um resultado operacional entre mais dois e menos dois pontos, já que zero é o ponto de equilíbrio internacionalmente aceito. Isto quer dizer o seguinte: o máximo de pontos que um seguro pode custar é 100. Destes 100 a seguradora tem que abater os sinistros, que representam um número X, o seu custo administrativo, que representa outro número Y, e o custo comercial, que representa um terceiro número Z. Se o seguro estiver corretamente dimencionado, o resultado destas contas deverá oscilar entre mais dois e menos dois pontos, que são as margens toleráveis, dentro dos parâmetros mundiais. Se o resultado der mais do que dois, a seguradora está cobrando muito caro; se o resultado der menos do que dois, ela está cobrando pouco e perdendo dinheiro.
O resultado da carteira de automóvel do mercado segurador brasileiro em 1993 está próximo de 129, ou seja, as seguradoras, como um todo, perderam 27 pontos além do máximo de perdas admissíveis. Isto significa que os seguros de automóvel estão sendo comercializados, na média, muito abaixo do preço mínimo que eles poderiam custar.
É uma notícia ruim para os segurados? É. Porque ela quer dizer que as companhias de seguros precisam rever os seguros de automóvel que estão comercializando, desde os conceitos até as políticas de comercialização.
Por outro lado, é melhor pagar o preço justo por um produto, do que pagar a menos e, na hora em que precisar, não conseguir receber. E é isto que vai começar a acontecer com um bom número de segurados, se suas seguradoras não tomarem medidas fortes para reverterem os enormes prejuízos que estão descapitalizando-as.
Não cabe aqui discutir como este processo começou. Ele já vem se estendendo há alguns anos, sempre com resultados muito ruins para todas as seguradoras que não levaram em conta a realidade de seus custos. Nem mesmo os extraordinários ganhos reais, permitidos pela política de juros altos do governo, são mais suficientes para controlar a sangria desatada que vai atingindo cada vez mais um número maior de empresas.
É tempo de se colocar um fim no atual modelo de seguros de automóvel. Num primeiro momento as seguradoras serão obrigadas a aumentar seus preços e a reverem os seus custos administrativos e comerciais. Da mesma forma que não é possível se conviver com custos administrativos próximos de 30%, também não é possível se trabalhar com comissões de 30%, como vem sendo feito por um número grande de companhias, que por precisarem de produção para girarem seus caixas, não hesitam em pagar verdadeiros absurdos para os seus corretores.
Mas mais importante do que isto, é num segundo tempo, que não pode demorar muito para chegar, as seguradoras reverem completamente as atuais condições dos seguros de automóvel, substituindo as regras válidas por outras mais afinadas com a realidade, que dêem aos segurados a segurança de receberem as suas indenizações, e, para elas, o fluxo de dinheiro necessário ao seu funcionamento.

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