São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 1994
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Leões desdentados

Reforma fiscal e combate à sonegação não são temas apenas de países instáveis ou subdesenvolvidos. Nos EUA, a polêmica foi reacendida pela iniciativa do governo Clinton de elevar os impostos sobre as rendas mais altas e pela publicação do livro "America, Who Really Pays the Taxes?", dos vencedores do prêmio Pulitzer de jornalismo Donald L. Barlett e James B. Steele.
Em seu livro, os repórteres denunciam os meios pelos quais empresas e milionários evitam pagar parte dos impostos e questionam a idéia de que reduzir as obrigações fiscais seja condição para a criação de novos postos de trabalho.
Essa postura tinha norteado a política econômica do ex-presidente Ronald Reagan. A "reaganomics" abaixou as alíquotas para estimular o crescimento e o emprego, esperando que a maior atividade econômica aumentaria a base de incidência dos impostos, recompondo o volume total arrecadado.
Tais premissas mostraram-se inconsistentes no longo prazo. O crescimento econômico fez-se à custa de grandes déficits orçamentários. O país expandiu rapidamente sua dívida pública e, hoje, 15% da arrecadação federal –ou US$ 180 bilhões anuais– destina-se aos juros pagos pelo governo, segundo estimativas da revista "Time".
O Brasil não adotou política similar à "reaganomics", mas há pontos em comum às discussões lá e cá. Quando falou nos "ralos da república", o ex-ministro Fernando Henrique Cardoso referia-se principalmente ao descontrole dos gastos públicos. Mas a mesma expressão, e com as mesmas consequências, pode ser usada para descrever os expedientes pelos quais algumas empresas e pessoas físicas com elevados rendimentos se furtam às sua obrigações com o fisco.
Tais "ralos" devem ser fechados, não há dúvida. Mas a necessária reforma fiscal não pode se resumir a isso. A percepção de que um sistema de impostos é excessivamente pesado ou arbitrário estimula a sonegação. Esta, por sua vez, leva o governo a adotar taxas e impostos emergenciais muitas vezes distorcidos e que, muito frequentemente, concentram-se nos setores que já pagam corretamente suas contas.
No Brasil, houve uma sucessão de tais remendos fiscais, na qual o critério foi a efetividade de curto prazo do instrumento arrecadador e não a justa distribuição da carga tributária. O combate à sonegação, portanto, não é menos urgente do que a revisão do emaranhado de impostos e regulamentações que lamentavelmente onera o país.

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