São Paulo, sábado, 30 de abril de 1994
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O cata-vento do São Paulo

JOSUÉ MACHADO

Agora se sabe por que o Júnior Baiano usava os cotovelos como hélices de cata-vento nas orelhas dos adversários do Flamengo e agora, do São Paulo. Não tem adiantado muito o Telê fazê-lo treinar com os cotovelos amarrados sob os braços, sim, sob os braços, para que ele perca o feio costume.
O valente Júnior ouviu num debate esportivo de TV que os atacantes tinham o vício de "penetrar no miolo da zaga adversária". Indignou-se, e alguém o ouviu resmungar: "No miolo da minha zaga ninguém vai penetrar".
Não adiantou explicarem que essa história de penetrar no miolo era coisa figurada, uma forma de colorir o papo, de dar mais força à descrição. "Comigo não, violão!", engrossou ele. O fato é que consegue evitar as penetrações no miolo da zaga, com bons ou maus modos. Frequentemente com maus modos. Muito maus.
Com as seguidas recomendações do Telê, no entanto, ele anda mais manso e até fez um belo gol de bicicleta. Mas é preciso admitir que tem alguma razão de ser rude. Não convém usar o verbo "penetrar" assim sem profunda, bem profunda, necessidade, porque essa é uma palavra carregada de sugestões que a marcam de forma indelével. Ninguém fala impunemente em penetrar aqui ou ali, nisto ou naquilo, penetrar no miolo, penetrar na sala, penetrar no banheiro, penetrar na área. Não importa saber que penetrar significa apenas entrar, invadir, atravessar, passar para dentro. Com penetrar, pouco interessa onde ou como, a frase ganha um tom suspeito de malícia que não cabe num jogo de futebol de respeito.
Sim, o Júnior Baiano tem razão de usar seu poderoso cata-vento contra orelhas desguarnecidas de adversários que ousem tentar essas liberdades com ele, que nos desculpem as vítimas já brindadas com seus cotovelaços. Outro verbo que o pessoal do esporte gosta de usar é "adentrar". "Os jogadores adentram o tapete verde!"
Fora alguns locutores esportivos, a última pessoa que usou "adentrar" sem intenção de fazer graça foi o tartamudo deputado Inocêncio Oliveira, ao enaltecer a excelência da técnica de perfuração de poços artesianos pelo Dnocs em Serra Talhada: "As perfuratrizes adentraram o solo que foi uma beleza". Antes dele, só o Camilo Castelo Branco no século passado em "Amor de Perdição".

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em Línguas Neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversas publicações diárias.

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