São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
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Itamar e o caso Telerj

LUÍS NASSIF

Se quiser entrar para a história preservando a única característica positiva de seu governo –a ética no trato da coisa publica– o presidente da República, Itamar Franco, não pode deixar passar em branco o que ocorre hoje em dia com as listas telefônicas do Rio de Janeiro.
Na edição do dia 27 passado, esta coluna apresentou série de pontos suspeitos no acordo firmado pelo presidente da Telerj, José de Castro –homem de confiança de Itamar–, autorizando a Telelistas a editar a lista telefônica do Rio.
São pontos graves que, se não forem devidamente esclarecidos, mancharão indelevelmente a reputação do presidente da República, como padrinho de todos os atos de José de Castro.
Denunciava-se aqui:
1) José de Castro entregou à Telelistas a edição das listas cariocas –um contrato avaliado em US$ 1 bilhão– mediante mera carta convite, atropelando tanto a antiga lei de licitações quanto a atual.
2) Em licitação anterior, anulada, a Telerj havia fixado em 19% o limite máximo de participação na receita das listas, a serem oferecidas pelos vencedores à companhia.
A Telelistas manifestou-se oficialmente contra este limite, alegando poder oferecer percentual maior.
Mesmo assim, no acordo firmado, José de Castro aceitou que a empresa pagasse apenas 7,5% no primeiro ano e 19% nos anos seguintes.
3) Castro permitiu que a gerência do Fundo de Publicidade fosse exclusiva da Telelistas.
4) Concedeu prazo de 150 dias, prorrogável por mais 90 dias, para a empresa imprimir as listas –enquanto que na última licitação, cancelada após denúncias, o prazo não passava de 90 dias.
5) Fechou nos autos do processo movido pela Telelistas contra a Telerj acordo concedendo prazo de 12 anos de exclusividade para a companhia, quando a lei permite prazo máximo de 5 anos.
6) Autorizou que a Telelistas oferecesse de endereços a lista por bairro, reduzindo substancialmente o valor da sua contrapartida no negócio e contrariando os termos das últimas licitações.
Argumentos falaciosos
As explicações dadas por José de Castro –em artigos publicados neste final de semana– constituem-se em verdadeiro deboche para com a opinião pública.
Num texto tão sem sentido quanto o nome do artigo que escreveu –"Abismo de Rosas"–, sem responder a nenhuma das questões levantadas, Castro atribui as críticas a "interesses poderosíssimos, e nem sempre confessáveis" que "tramavam e tramam contra a legitimidade dos direitos da nação (sic) carioca".
O nível dos argumentos é acintoso e um desrespeito à atual luta empreendida pela cidade em favor da transparência dos atos públicos.
Primeiro, explica que o acordo judicial "não obriga nem onera a Telerj em um único centavo proporcionando-lhe, antes, uma considerável receita adicional para os próximos anos".
É evidente que contratos para imprimir listas telefônicas jamais implicam custos para a concessionária.
Ao abolir a licitação, Castro atropelou a lei e abriu mão de receita.
Castro informa também que o acordo livrou a Telerj de uma execução por perdas e danos, "garantida à demandante por decisão final e irrecorrível da Justiça".
Não há decisão final sobre a questão, nem a derrota da Telerj era irreversível. Mesmo sendo, ele teria a obrigação de informar claramente à opinião pública os custos dessa indenização, em contrapartida às perdas da Telerj com a abolição da licitação.
E ficou por aí, sem nenhuma explicação a mais.
O presidente não tem saída. Na condição de padrinho político e amigo pessoal de José de Castro, é responsável direto por todos os seus atos.
Ou convence-o a apresentar explicações adequadas ou obriga-o a reavaliar sua atitude. Ninguém –muito menos o presidente da República– tem o direito de se eximir de suas responsabilidades em matérias que envolvem a defesa do patrimônio público.

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