São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Quércia é denunciado ao STJ por estelionato

FREDERICO VASCONCELOS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

O ex-governador e pré-candidato do PMDB à Presidência da República Orestes Quércia foi denunciado pelo Ministério Público Federal por estelionato, ontem, ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O inquérito apura a suspeita de evasão de divisas e superfaturamento nas compras de US$ 310 milhões –sem licitação– de equipamentos israelenses para universidades e polícias de São Paulo. Este valor corresponde a duas vezes o lucro líquido do Banco do Estado de São Paulo (Banespa) em 1992.
O governador Luiz Antônio Fleury Filho não foi denunciado, mas continua sendo investigado em outro inquérito pelo STJ (o da compra das armas). Fleury ainda pode vir a ser denunciado.
Junto com Quércia, o Ministério Público denunciou pelo mesmo crime os ex-secretários José Machado de Campos Filho (Fazenda) e Luiz Gonzaga Belluzzo (Ciência e Tecnologia).
Foram ainda denunciados por estelionato o empresário Arie Halpern e mais quatro diretores da Trace Trading Company e Sealbrent Holdings (José Carlos Coimbra, Mario Ungar, Yechiel Sharabi e Avner Shemesch).
Se o STJ aceitar a denúncia, e se eles forem condenados, estarão sujeitos a penas que variam de um a cinco anos de prisão, e mais um terço da pena por se tratar de crime contra o patrimônio público.
O procurador da República Paulo Sollberger, que assinou a denúncia, disse à Folha que a situação do governador Luiz Antônio Fleury Filho "está sob exame em outro inquérito".
Sollberger disse que "há indícios da participação de Fleury na operação", mas ele não foi denunciado neste processo porque a perícia que comprovou superfaturamento –necessária para caracterizar o estelionato– foi realizada apenas nos equipamentos para as universidades.
"Isto, contudo, não pode ser entendido como um pedido implícito de arquivamento do inquérito contra o governador", nem uma espécie de atestado de idoneidade, segundo Sollberger. A perícia na compras realizadas quando Fleury era secretário de Segurança Pública já foi autorizada.
Sollberger concluiu que "a prova colhida no inquérito, farta e eloquente, mostra que os denunciados executaram uma bem-arquitetada operação visando à aquisição, pelo governo do Estado de São Paulo, de equipamentos superfaturados, com o consequente desvio de verbas públicas para cofres particulares".
A comprovação do superfaturamento foi obtida na perícia realizada pela Polícia Federal, com apoio de três cientistas, que comparou equipamentos importados para a Unesp e para a Mercedes-Benz. A perícia comprovou sobrepreço, somente nesse item, de US$ 7,5 milhões.
A evasão de divisas ocorreu com pagamentos a título de sinal que variavam de 5% a 15% do valor do contrato. O restante foi pago mediante emissão de cartas de crédito pelo Banespa em Nova York.
O Banco Central informou ao MPF que ainda não foram apresentados os documentos requeridos para regularizar o registro das importações realizadas no governo Quércia.
Sollberger sustenta que Halpern fazia a ligação entre os representantes da Trace e "o grupo constituído por Orestes Quércia, Machado de Campos e Belluzzo". Nessa operação, "a nota dominante foi o artifício, o ardil, a burla" para iludir a administração, afirma o subprocurador.
Ele diz que 'ó malsinado protocolo" firmado em dezembro de 1988 por Quércia e pelo ex-cônsul de Israel, Tzvi Chazan, amigo e padrinho de casamento do ex-governador,"serviu como ponto de partida, uma cortina de fumaça, para a consecução de uma operação fraudulenta contra o patrimônio público".*Ele entendeu que o protocolo não autorizava o Estado a celebrar contratos comerciais, mas "foi utilizado como cobertura para a assinatura dos contratos".*"Os procedimentos administrativos que antecederam a celebração desses contratos não passaram de um engodo, já que, desde o início, todos estavam direcionados à compra dos equipamentos ofertados pela Trace".*Sollberger afirma que, embora Quércia tenha procurado negar o vínculo entre o protocolo e os contratos, o próprio ex-governador "deixou documentalmente registrada essa vinculação".*Foi no despacho firmado por Quércia no dia 26 de abril de 1989, aprovando os limites para importação pelas duas secretarias, objetivando "a importação de equipamentos tecnocientíficos no âmbito do protocolo".*Posteriormente, Quércia firmou dois decretos dispondo sobre crédito suplementar para essas importações.*"Verifica-se, de modo inquívoco, que seis meses antes da lavratura dos primeiros contratos de importação, Quércia já indicava que os produtos seriam de procedência israelense, nos termos do protocolo por ele firmado com seu amigo e padrinho de casamento", afirma Sollberger.*O suprocurador concluiu que "foi tomada originariamente por Quércia a decisão de importar os equipamentos israelenses, sem licitação, de modo a beneficiar a Trace".*"Tamanho foi o embuste, que até o Tribunal de Contas do Estado foi induzido em erro, para justificar as despesas", afirmou Sollberger.*Segundo a denúncia, a elaboração das minutas dos contratos foi centralizada na Secretaria da Fazenda, cujo titular era Machado de Campos Filho. Ele negociou junto ao Banespa a obtenção das cartas de crédito.*Belluzzo foi acusado de pressionar o então reitor da USP (Universidade de São Paulo), Roberto Leal Lobo e Silva, a atestar que os preços eram compatíveis.
Segundo a denúncia, Belluzzo condicionou o recebimento dos equipamentos pela USP à assinatura dessa declaração, feita "às escuras". Lobo foi apenas arrolado como uma das onze testemunhas.
Segundo Sollberger, "a outra ponta da trama" se desenrolou a cerca de 10 mil quilômetros, do outro lado do Atlântico.
Foi a criação da Sealbrent, uma "empresa de fachada", criada no paraíso fiscal de Dublin, na Irlanda, "com o fim exclusivo de realizar os contratos com o governo, sob o manto do protocolo, promovendo evasão de divisas, com a remessa fraudulenta de lucro para o exterior, resultante da importação de mercadoria estrangeira com sobrepreço".
As faturas da Sealbrent foram consideradas "documentos falsos". A intermediação "supérflua" dessa empresa "serviu para evitar que a Cacex tivesse acesso às faturas emitidas pelos próprios fabricantes".
Sollberg concluiu que "toda essa condução anômala dos processos de importação através da Trace objetivava mascarar o superfaturamento que estava sendo praticado".

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