São Paulo, quinta-feira, 5 de maio de 1994 |
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"O Alvo" é uma vitória da imaginação
INÁCIO ARAUJO
Produção: EUA, 1993, 99min. Direção: John Woo Elenco: Jean-Claude Van Damme, Lance Henriksen, Yancy Butler, Wilford Brimley Distribuição: CIC "O Alvo" não é apenas um filme de ação. É também, e sobretudo, um filme sobre a ação. Daí não haver fundamento profundo nas críticas que se fazem ao roteiro do primeiro filme norte-americano de John Woo, diretor chinês de Hong Kong. A intriga não importa, exceto pelo que ela permite ao filme ser. Em todo caso, aí vai: em Nova Orleans (EUA), uma gangue dedica-se a buscar alvos humanos entre veteranos de guerra reduzidos à mendicância e sem família. O objetivo, não propriamente digno, é "vender" esses alvos a ricaços que querem experimentar a sensação de matar alguém. Essa engrenagem sinistra sai dos trilhos quando aparece em cena a filha de um desses veteranos, que acaba de ser morto. Pior: quem se dispõe a ajudá-la nessa busca é um certo Chance Boudreaux (Jean-Claude Van Damme). Começa então uma luta que não é exatamente do bem contra o mal. É apenas contra o mal –algo sem outra natureza, sem densidade, sem nome: o mal em pessoa. A partir daí, o filme obedece a todas as convenções do gênero. Luta-se pela sobrevivência em meio a uma violência assombrosa, que não permite tempos mortos, onde os demônios (o inimigo) parecem surgir da terra, infernais e infindáveis. É esse clima que John Woo escolhe e estabelece para realizar seus prodígios. Ele pode contrair o espaço com a "zoom" (lente teleobjetiva) e, no instante seguinte, abrí-lo e deformá-lo (com a lente grande angular). Pode fazer os personagens surgirem misteriosamente no campo abarcado pelo olhar da câmera. É como se todas as magias do cinema estivessem liberadas. Um salto de Van Damme pode comportar três andamentos, três velocidades: normal, câmera lenta, acelerada. Mas não é por acaso que, logo na primeira briga, Van Damme faz pose de Clint Eastwood nos faroestes de Sergio Leone. É como se Woo quisesse render um tributo a um mestre, embora o andamento que impõe a seu filme seja quase o inverso dos de Leone (o italiano trabalhava os tempos longos, o não acontecer, a inação, o vazio, o que não é o caso de Woo). É quando chega o conflito final, em um barracão de carros alegóricos, que todos esses elementos se encontram: a liberdade da câmera, a apreensão física das coisas, os vôos de Van Damme ou de uma pomba, a explosão de uma máscara gigantesca. São 20 minutos que lembram os grandes musicais. É um balé em que o movimento dos corpos dissecado pela objetiva e, no instante seguinte, reencontra sua plenitude misteriosa. Há ação, sempre, mas uma ação que só existe pela imaginação e para ela, como triunfo do corpo sobre a inexistência e sobre a morte. "O Alvo" é um achado e uma evolução espantosa na carreira de Van Damme, até aqui dedicada a filmes iníquos. Leva a esperar ausiosamente pelos outros filmes de John Woo, que alguns dizem ser ainda melhores. Texto Anterior: ACERVO; LANÇAMENTOS Próximo Texto: "Leolo" dilui Alain Resnais ao buscar um cinema da memória Índice |
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