São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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A visão de Édipo

MOACYR SCLIAR

Velho e cego, Édipo costumava contar aos camponeses de Colona, onde estava exilado, a tragédia de sua vida; de como o pai, Laio, rei de Tebas, o abandonara para que morresse; de como fora salvo e adotado por Políbio, rei de Corinto; de como o oráculo previra que ele assassinaria o pai; e de como esta profecia se consumara, ele tendo matado Laio numa luta e casado com Jocasta, sua mãe, a descoberta disto tudo levando-o a vazar os próprios olhos. Os rudes camponeses ouviam-no com respeito mas com certa desconfiança; porque, velho e cego, Édipo dizia ter visões do futuro e falava coisas que àquela gente simples pareciam incompreensíveis.
Não fui eu o primeiro a matar o pai, dizia Édiopo, e não serei o último a tentá-lo. No futuro isto acontecerá muitas vezes, e em lugares longínquos.
"Vejo", dizia, "um país distante, além-mar. Um país que para nós é desconhecido, mas que um dia será descoberto. Vejo lá muitas cidades, grandes e pequenas. E numa delas vejo uma família, uma família de gente pobre. Vejo um menino; vejo que este menino olha um frasco. "Veneno" é o que diz o frasco, e ele deveria ter medo, um menino tão pequeno deveria ter medo de veneno. Mas não, é com fascínio que ele o mira. E agora está apanhando o frasco e está derramando seu conteúdo numa beberagem escura, uma beberagem da qual o pai vai beber. É isto que ele quer: que o pai beba o veneno. Mas agora o pai e a mãe se aproximam, e se servem do líquido envenenado, e o menino quer dizer à mãe, não, mãe, não beba isto, tem veneno, é um veneno para o meu pai, é ele quem tem de beber. Mas é tarde demais, o homem e a mulher já beberam, e logo estarão se retorcendo em dores, e o menino dirá fui eu, sim, fui eu que botei este veneno, mas era só para o meu pai, não era par mais ninguém.
Vencido pela emoção, Édipo calava-se. Os camponeses se olhavam, surpresos e incrédulos. Um menino que envenenava o próprio pai? Absurdo, isto jamais poderia acontecer. Mas, em sinal de respeito, mantinham-se calados. Sabiam que Édipo tinha sofrido muito, e que seu equilíbrio mental ficara muito abalado. E sabiam que as pessoas que se privam dos próprios olhos às vezes têm estranhas visões.

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