São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
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O primeiro crânio ancestral humano

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1973 o paleoantropólogo de 30 anos Donald C. Johanson, ainda pouco conhecido, explorava os confins de Afar, Etiópia, quando encontrou uma articulação fóssil de joelho que demonstrava, pela primeira vez, a existência de indivíduo de postura ereta e locomoção bípede há pelo menos 3,5 milhões de anos.
No ano seguinte, no mesmo sítio (Hadar), ele se deparou com uma porção de ossos a partir dos quais conseguiu montar o esqueleto fóssil quase perfeito de uma pequena mulher.
Essa mulher deveria ter pouco mais de um metro de altura e entre 27 kg e 30 kg de peso.
A imperfeição do esqueleto consistia nos ossos do crânio, escassos e malconservados.
Todos os outros caracteres indicavam tratar-se de uma nova espécie que, pela idade, devia ser precursora de todos os hominídeos, ou antepassados do homem.
A esse fóssil, que só foi oficialmente apresentado em 1979, o cientista deu o nome de Australopithecus afarensis.
Mas ele logo ganhou o apelido de Lucy, inspirado na canção "Lucy in the sky with diamonds", do grupo de rock britânico "The Beatles".
Era o mais antigo e mais bem-conservado esqueleto de antepassado humano, ereto e bípede, jamais visto.
A descoberta de Lucy explodiu nos meios científicos como achado extraordinário e repercutiu sensacionalmente nos órgãos de comunicação.
Para Johanson, que via chegar seu momento de glória, Lucy era prova de que a espécie humana era muito mais antiga do que se imaginava.
Além disso, Lucy poderia constituir a origem comum de todos os hominídeos, inclusive, naturalmente, do próprio homem (Homo sapiens).
No mesmo sítio de Hadar, o paleoantropólogo descobriu no ano seguinte todo um conjunto de ossos de Australopithecus afarensis machos e fêmeas. O conjunto foi logo batizado como "a grande família".
Os paleontólogos em geral aceitaram a descoberta e a interpretação de Johanson, porém uma minoria a ele se opôs.
Esses opositores alegavam que poderia se tratar de mistura de espécies frouxamente relacionadas, o que levava à noção de alguma espécie mais antiga, que servisse de tronco a essas supostas espécies.
O principal argumento dessa minoria era a falta de um crânio perfeito, além da variedade de tamanhos dos exemplares e de diferenças estruturais relativas aos meios de locomoção.
Na revista britânica "Nature" apareceu recente artigo que poderá terminar de vez com as dúvidas entre os dois grupos.
William Gimbel, Donald Johanson e Yoel Rak anunciaram e documentaram com precisão o achado, na mesma área de onde proveio Lucy, de um crânio perfeito que deve ser dessa espécie de fóssil.
O dono do crânio viveu cerca de 200 mil anos depois de Lucy.
A idade desses exemplares de crânio deve ser 1 milhão de anos mais nova que os mais antigos ossos de Australopithecus afarensis.
Concluem os especialistas que Lucy deve ter sido espécie de vida extremamente longa.
Kimbel e seus colaboradores respondem satisfatoriamente a todas as objeções feitas às idéias divulgadas por Johansen.
Embora os humanos atuais não variem muito quanto ao tamanho, outros hominídeos apresentam apreciável variação. O crânio era de uma espécie só.
Os estudos anatômicos de machos e fêmeas revelaram, aliás, que se trata de uma espécie-mosaico, diferenciada na parte superior do corpo para trepar nas árvores e na parte inferior para a locomoção.
O cérebro de Lucy não era menor que o de um chimpanzé. Apesar disso, a espécie se mostrou muito capaz quanto à adaptação ao meio, razão de sua longa existência, calculada em 900 mil anos.

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